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ARTIGOS ORIGINAIS

Doenças de pele entre trabalhadores rurais expostos a radiação solar. Estudo integrado entre as áreas de Medicina do trabalho e Dermatologia

Skin diseases among rural workers exposed to solar radiation. Integrated study of occupational Medicine and Dermatology

Juliana Midori Hayashide1; Rogério Sgura Minnicelli1; Octávio Augusto Camilo de Oliveira1; Juliana Mayumi Sumita2; Nathalie Mie Suzuki3; Cintia Albuquerque Zambianco4; Valéria Maria de Souza Framil5; Luiz Carlos Morrone6

RESUMO

CONTEXTO: Acadêmicos da área de saúde, médicos residentes e professores reuniram-se num projeto para assistência à população carente em Itapeva (SP), em janeiro de 2009. Observaram número significativo de lesões de pele entre os examinados.
OBJETIVO: Identificar casos de doenças eventualmente associadas ao trabalho e analisar riscos ocupacionais presentes.
MÉTODOS: (1) Reavaliação do histórico ocupacional de 11 pacientes com lesões cutâneas diagnosticadas pela Dermatologia, que a Medicina do Trabalho associou às ocupações. (2) Avaliação das condições de trabalho dos pacientes que eram plantadores de tomates.
RESULTADOS: Dentre os 701 atendimentos realizados pelas diversas especialidades, 143 pacientes foram identificados como portadores de problemas dermatológicos. Nesse grupo, 11 apresentavam lesões cutâneas com provável associação à exposição solar. As lesões cutâneas encontradas foram, na maioria, fotoenvelhecimento e ceratose actínica. A região do corpo afetada foi associada à exposição solar ocupacional.
CONCLUSÃO: Entre os riscos ocupacionais a que os trabalhadores rurais estão expostos destaca-se a exposição à radiação ultravioleta solar, que tem sido relacionada com alterações crônicas da pele, como as identificadas nesses pacientes. Nenhuma legislação obriga o uso do protetor solar, mas seu uso pode ser indicado em áreas específicas da pele em que o equipamento de proteção individual (EPI) não possa em absoluto conferir a proteção desejada. A amostra de pacientes, embora pequena, destaca a força de associação do risco laboral entre os trabalhadores rurais e as doenças de pele. É necessária a realização de biópsia de pele para complementação do estudo. A procura ativa e sistemática de dermatoses em trabalhadores rurais deve ser incorporada ao exame periódico de saúde nesse grupo. A identificação das doenças a que os trabalhadores rurais estão expostos e a sua associação com as condições de trabalho tornam necessária a criação de políticas públicas que possam prevenir essas doenças entre eles.

Palavras-chave: Dermatopatias, trabalhadores rurais, radiação solar, Medicina do Trabalho, Dermatologia, saúde do trabalhador.

ABSTRACT

BACKGROUND: Undergraduate students of Health, residentdoctors and teachers met in a project for assistance to deprived population from Itapeva São Paulo, Brazil, in January 2009. They found an important number of skin diseases among the people who were examinated.
OBJECTIVE: To identify cases of diseases occasionally associated to work and analyze present occupational risks.
METHODS: (1) Re-evaluation of the occupational history of 11 patients with skin lesions found by dermatologists and associated with work by Occupational Medicine. (2) Evaluation of the work conditions of patients who planted tomatoes.
RESULTS: Among the 701 patients examined by the different specialties, 143 of them were considered as having dermatological problems. In this group, 11 presented skin lesions probably associated with sunlight exposition. The skin lesions were mainly actinic ceratosis and photoaging. The affected part of the body was associated to occupational exposition to sunlight.
CONCLUSION: Among the occupational risks the rural workers are exposed to, the main is the sunlight ultraviolet radiation that has been related to chronic alterations of skin like those identified in these patients. No legislation demands the use of sunscreen, but its use may be indicated in specific areas of the skin where the individual protective equipment cannot absolutely give the desired protection. The sample of patients, even little, exhibits the high association of the work risk between rural workers and skin diseases. Skin biopsies are necessary to complete the study. The systematic and active searching of skin lesions must be linked to the health periodical examination in rural workers. The identification of the diseases that rural workers are exposed to and their association with work conditions make necessary the introduction of public politics that prevent these diseases among them.

Keywords: Occupational skin diseases, rural workers, solar radiation, occupational Medicine, Dermatology, occupational health.

INTRODUÇÃO

Em janeiro de 2004, uma associação entre a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP) e a Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho tornou possível a criação do Projeto Expedições Científicas Assistenciais (PECA)1.

Esse projeto tem como objetivos fornecer assistência em saúde a uma população carente no período de uma semana e conscientizar a população jovem universitária sobre sua responsabilidade social. Ocorre anualmente, sempre em janeiro, sendo dois anos consecutivos na mesma cidade, para que se possa dar continuidade ao trabalho iniciado naquele local.

Nos dias 23 a 30 de janeiro de 2009, ocorreu a 5ª edição do PECA, no distrito rural de Areia Branca, na cidade de Itapeva, a 300 km da cidade de São Paulo. Esse distrito apresenta 5.052 habitantes, sendo que a principal atividade da população é a agricultura, destacando-se o plantio de tomate.

Essa edição contou com a participação de um médico residente de Medicina do Trabalho que, durante as consultas, juntamente com os residentes de Dermatologia, observaram um número significativo de lesões de pele em trabalhadores rurais expostos ao sol.

Os trabalhadores da produção de tomates estão expostos a numerosos riscos ocupacionais no ambiente de trabalho, entre eles, os praguicidas e adubos (para manter uma boa qualidade dos produtos), a adoção de posturas forçadas devido ao trabalho manual e a não mecanizado durante a plantação e colheita. Dessa maneira, os transtornos musculoesqueléticos, como dor lombar, podem ser problemas importantes de saúde nesses trabalhadores. Além disso, como eles trabalham ao ar livre, estão mais exposto às radiações ultravioleta, radiação solar e ao calor, sendo que a exposição prolongada ao sol pode causar envelhecimento precoce da pele e aumentar o risco de câncer de pele2.

A radiação ultravioleta causa a maioria das reações cutâneas fotobiológicas e doenças. É dividida em UVC (200-280 nm), UVB (280-320 nm) e UVA (320-400 nm). A UVC é absorvida pela camada de ozônio; a UVB causa eritema, pigmentação e principalmente alterações que induzem ao câncer cutâneo; a UVA, além da pigmentação e alterações que induzem o câncer, é o principal indutor de fotossensibilidade3.

A absorção de luz ultravioleta no tegumento promove alterações químicas em substâncias fotolábeis presentes na pele. A capacidade de reparação do DNA do trabalhador exposto à radiação UVB é fator importante na prevenção do câncer cutâneo. Quando esse reparo é pequeno ou inexistente, a possibilidade de ocorrerem  mutações aumenta consideravelmente, facilitando o aparecimento de lesões pré-cancerígenas4.

A maior incidência de tumores cutâneos em trabalhadores de pele clara (caucasianos) expostos à luz solar é fato constatado. A incidência de epitelioma baso e espinocelular é mais frequente nesses trabalhadores4.

Frente a esta problemática, o objetivo deste trabalho foi analisar os riscos ocupacionais presentes no plantio de tomates e identificar casos de doenças de pele ligadas ao trabalho que possam estar associados à exposição solar entre trabalhadores rurais.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

1) Coleta de dados provenientes dos 143 atendimentos médicos realizados na área de Dermatologia no PECA durante o mês de janeiro de 2009, em Itapeva;

2) Visita ao local de trabalho, durante o mês de junho de 2009, para verificar condições de trabalho e reavaliação dermatológica de 11 pacientes nos quais foram encontradas lesões cutâneas relacionadas à exposição solar.

 

RESULTADOS

Projeto Expedições Científicas Assistenciais – janeiro de 2009

Durante essa edição do PECA, foram realizados 701 atendimentos médicos nas áreas de Clínica Médica, Ortopedia, Pediatria, Urologia, Oftalmologia, Ginecologia, Dermatologia, Medicina do Trabalho, Radiologia e Psiquiatria.

Participaram do projeto 130 acadêmicos dos cursos de Medicina, Enfermagem e Fonoaudiologia da FCMSCSP, 30 médicos residentes de 10 especialidades médicas da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP) e 10 professores de diversas áreas médicas, além de profissionais de Fisioterapia, Nutrição, Odontologia e Serviço Social da ISCMSP.

Este projeto contou com a participação de um médico residente de Medicina do Trabalho. Os atendimentos nessa área foram, na maioria, devido a transtornos osteomusculares e dermatológicos.

Na área de Dermatologia, foram realizados 143 atendimentos médicos. Dentre os transtornos dermatológicos, chamaram a atenção os casos de 11 trabalhadores com lesões de pele compatíveis com as causadas pela exposição solar, isto é, casos que poderiam ser enquadrados como dermatoses ocupacionais.

Visita a pacientes – junho de 2009

Durante a semana do PECA em janeiro, choveu muito todos os dias, o que impossibilitou a realização da visita aos locais de trabalho de pacientes com doenças possivelmente relacionadas ao trabalho. Assim, optou-se pelo retorno a Itapeva em junho, para que fossem feitas as visitas a esses pacientes.

Nessa ocasião, a equipe contou com três médicos residentes e um preceptor de Medicina do Trabalho, duas médicas residentes de Dermatologia, uma acadêmica de Medicina, além da Coordenadora Médica da Secretaria de Saúde de Itapeva. O objetivo inicial dessa visita era ir à casa de cada um desses 11 pacientes para fazer uma anamnese ocupacional mais detalhada e exame dermatológico, através de dermatoscopia, além de vistoria ao local onde eles exerciam suas atividades ocupacionais. Dos 11 pacientes, foi possível visitar e entrevistar 8 em suas próprias residências.

Desses 8 pacientes com lesões dermatológicas que foram visitados, quatro tinham idade compreendida entre 61 e 80 anos. Chamou a atenção que dos 8 avaliados, 3 eram relativamente jovens, isto é, tinham idades entre 31 e 50 anos. A média de idade encontrada na amostra foi de 55 anos, com uma maior frequência de lesões em pacientes do sexo feminino, correspondendo a 75%.

Quanto à ocupação atual desses pacientes, atualmente a maioria (cinco deles) é do lar, sendo que apenas três ainda trabalham – um como caseiro, outro como motorista e outro como lavrador. É importante notar, porém, que todos eles anteriormente trabalhavam expostos ao sol. Seis deles trabalharam na lavoura, um na queima de carvão, um na ordenha de vaca e um com entrega de comida aos trabalhadores rurais (portanto, justamente no horário de maior incidência de radiação solar), sendo que um paciente apresentou mais de uma ocupação. A maioria desses pacientes nunca usou equipamentos de proteção individual (EPI) ou protetor solar.

Na Tabela 1, observa-se a distribuição das lesões de pele de acordo com local, nos oito pacientes examinados. Observa-se que as lesões encontradas foram todas em área exposta ao sol, sendo mais frequentes em face, lábios e pescoço. É importante salientar que todos os oito pacientes são considerados fototipos I e II.

 

 

Já na Tabela 2, encontram-se os tipos de lesões encontradas nos oito pacientes examinados. Em todos eles encontrou-se fotoenvelhecimento e uma alta frequência de ceratose actínica, melanose solar e queilite actínica. É importante notar que quatro lesões deixaram dúvida diagnóstica de carcinoma de pele. Nas Figuras 1, 2 e 3 encontram-se alguns exemplos das lesões mais frequentemente encontradas.

 

 


Figura 1. Fotoenvelhecimento e queilite actínica em paciente do sexo feminino, de 62 anos, que trabalha há 52 anos em plantação de tomate. Nunca usou equipamento de proteção individual.

 

 


Figura 2. Ceratose actínica em fronte de mesma paciente da Figura1.

 

 


Figura 3. Lesão infiltrada, sem bordos definidos (possivelmente, carcinoma espinocelular) em nuca de paciente do sexo masculino, de 40 anos, que trabalhou por 28 anos em lavoura de feijão, sem uso de equipamento de proteção individual. Observa-se também cútis romboides.

 

Visita a plantio de tomate em Itapeva

A visita à plantação de tomates foi realizada na mesma data das entrevistas, com a finalidade de se obterem informações do processo de trabalho, dos riscos ocupacionais existentes e sua eventual associação com as doenças dermatológicas identificadas. Foi escolhida para visita a plantação de tomates onde trabalhava o casal cuja residência o grupo também havia visitado.

O sistema de plantação encontrado ali é o plantio escalonado. Como demora aproximadamente 110 dias para o tomate ser germinado, crescer e estar no ponto certo de colheita, existem vários terrenos em diferentes etapas da produção. Assim, enquanto se espera a colheita de um terreno, outro já pode ser colhido, e um terceiro estará sendo semeado, por exemplo.

Trabalham sete dias por semana. Vêm de suas casas até a plantação a pé, numa distância aproximada de 1,5 km. O cuidado da plantação é dividido de maneira que cada trabalhador seja responsável por 4.500 pés de tomate. Isso inclui o preparo da terra, a semeadura, a amarração dos pés, a colheita e o carregamento no caminhão.

Quando chegam à plantação, deixam suas roupas e sapatos num galpão e colocam camisa de manga longa, calça, bota, chapéu e luvas. Ao término da jornada, deixam essas roupas nesse galpão para serem usadas nos dias seguintes. As roupas utilizadas na plantação são levadas para casa uma vez por semana para serem lavadas.

Fazem aplicação de adubos e agrotóxicos diariamente, com uso de máscaras e óculos. O agrotóxico nem sempre é o mesmo, mudando de acordo com a praga. A indicação do tipo de agrotóxico a ser utilizado é feito por um agrônomo particular, que, além da indicação do produto, orienta os trabalhadores sobre as medidas de proteção que devem ser tomadas.

Colhem aproximadamente 100 caixas de tomate por dia, sendo que cada caixa pesa 22 kg. Carregam essas caixas até o caminhão, que as transportam até um galpão, onde é feito o descarregamento, a seleção e a separação dos tomates.

A colheita é feita manualmente e tanto para essa atividade como para a seleção de tomates, observaram-se a adoção de posturas forçadas de flexão e a rotação de tronco, além do peso carregado.

 

DISCUSSÃO

O cultivo do tomateiro exige um alto nível tecnológico e intensa utilização de mão de obra. Apesar do elevado índice de mecanização nas operações de preparo de solo, adubação, transplante, irrigação e pulverização, são necessários cerca de 100 homens/dia, por hectare, na execução das tarefas de capinas e colheitas manuais, o que dá a essa cultura elevada importância econômica e social.

Observaram-se neste trabalho riscos físicos – como poeira, calor, frio, chuva e radiação não-ionizante nas atividades de campo, como preparo do solo, plantação, colheita e adubação, risco químico na aplicação de adubos e agrotóxicos e risco ergonômico postural na colheita e seleção dos tomates.

Ao atravessar a camada da atmosfera, a radiação solar perde cerca de um terço de sua energia5. Como a UVC é totalmente bloqueada pelo ozônio, a radiação solar que atinge o solo é composta, aproximadamente, por:

- 5% => UV (95% UVA e 5% UVB);
- 40% => radiação visível;
- 55% => radiação infravermelha.

A radiação infravermelha faz parte do espectro eletromagnético e ocupa uma faixa em que o comprimento de onda varia desde 760 nm até 1 mm. Não tem poder energético suficiente por fóton para modificar a configuração eletrônica de átomos da matéria incidente. Portanto, seus efeitos são unicamente de caráter térmico.

Já as radiações ultravioleta estão compreendidas entre as radiações não-ionizantes emitidas em um intervalo mais alto de frequências, de 3 kHz a 750 THz. Dessa maneira, possuem maior poder energético que as demais.

Fazem parte do espectro eletromagnético e ocupam uma faixa em que o comprimento de onda da radiação eletromagnética varia desde 100 até 400 nm. São capazes de produzir trocas da configuração eletrônica da matéria viva, ocasionando a produção de reações fotoquímicas5.

Nos sistemas biológicos expostos, a energia incidente é transformada em energia rotacional e vibracional, com consequente aumento da energia cinética molecular e produção de calor.

Esse espectro está dividido em três partes, UVA, UVB e UVC, sendo que os espectros B e C são classificados como parte do espectro que pode apresentar ação mutagênica.

Os tipos mais comuns de lesões de pele causadas pela exposição crônica ao sol são queimadura solar, ceratose actínica, melanose solar e fotoenvelhecimento3, como foi achado neste trabalho. É importante lembrar que o efeito da radiação ultravioleta é cumulativo.

A pele foto envelhecida é áspera, enrugada, amarelo-pálida, teleangectásica, apresenta pigmentação irregular, sendo propensa à púrpura, e sujeita a neoplasias benignas e malignas (Figura 1). O fotoenvelhecimento localizado na nuca, com a superfície sulcada, recebe o nome de cútis romboides (Figura 3).

A melanose solar é causada por um aumento do número e da atividade dos melanócitos. São manchas de cor castanho-claro e escuras que surgem nas áreas expostas ao sol, como dorso de mãos, colo e ombros.

A ceratose actínica é uma lesão pré-maligna, que ocorre em áreas expostas à luz solar. São lesões máculopapulosas, recobertas por escamas secas, duras, de superfície áspera de cor amarela a castanho-escuro, em geral, de 0,5 a 1 cm, podendo confluir formando placas3 (Figura 2). O diagnóstico de ceratose actínica é clínico, auxiliado pela dermatoscopia. Porém, naqueles pacientes em que resta a dúvida diagnóstica de um carcinoma espinocelular, é necessária a realização de biópsia.

A queilite actínica, achada frequente neste trabalho, é uma alteração dos lábios, decorrente da exposição crônica à radiação ultravioleta. Começa como uma descamação que depois evolui para ferida e uma placa branca, espessa, principalmente em lábios inferiores (Figura 1). Assim como a ceratose actínica, também é uma lesão pré-cancerígena.

A maioria dos cânceres de pele deve-se à exposição excessiva ao sol. A Sociedade Americana de Câncer estimou que, em 2007, mais de 1 milhão de casos de basocelulares e células escamosas e cerca de 60 mil casos de melanoma estariam associados à radiação ultravioleta6. Em geral, para o melanoma, um maior risco inclui história pessoal ou familiar. Outros fatores de risco para todos os tipos de câncer de pele incluem sensibilidade da pele ao sol, história de exposição solar excessiva, doenças imunossupressoras e exposição ocupacional.

Câncer de pele é mais comum em indivíduos com mais de 60 anos, sendo relativamente raro em crianças e negros, com exceção daqueles que apresentam doenças cutâneas prévias. As pessoas de pele clara (fototipos I e II) que vivem em locais de alta incidência de luz solar são as que apresentam maior risco.

Como a pele é um órgão heterogêneo, esse tipo de câncer pode apresentar neoplasias de diferentes linhagens. Os mais frequentes são o carcinoma basocelular, responsável por 70% dos diagnósticos de câncer de pele, o carcinoma espinocelular, com 25% dos casos, e o melanoma, detectado em 4% dos pacientes.

O número de casos novos de câncer de pele não melanoma estimado para o Brasil, no ano de 2010, será de 53.410 entre homens e de 60.440 entre mulheres. Esses valores correspondem a um risco estimado de 56 casos novos a cada 100 mil homens e 61 para cada 100 mil mulheres. Quanto ao melanoma, sua letalidade é elevada, porém sua incidência é baixa (2.950 casos novos em homens e 2.970 em mulheres). As maiores taxas estimadas em homens e mulheres encontram-se na região Sul6.

Um estudo realizado pela Sociedade Brasileira de Dermatologia, em 2006, verificou a frequência dos principais diagnósticos na prática dos dermatologistas. Os resultados apresentados foram baseados em 57 mil consultas dermatológicas, e notou-se que a ceratose actínica foi a causa mais frequente de consulta no grupo etário de 65 anos ou mais (17,2%), seguida pelo carcinoma basocelular (9,8%)7.

Em 2006, Bariani8 conduziu um estudo prospectivo com o objetivo de traçar o perfil epidemiológico dos portadores de carcinoma basocelular. Analisou 202 pacientes e mostrou uma incidência maior dessa patologia na faixa etária entre 60 e 80 anos (69%), com média de 64 anos. A amostra deste estudo apresentou fatores de suscetibilidade como a raça branca e fototipos I e II em 95,5% dos pacientes. A exposição à radiação ultravioleta, tanto de forma recreacional quanto ocupacional, foi informada por 77% dos pacientes, e a localização mais frequente dos tumores foi a face, em 71,2% dos casos. A ceratose actínica e a história de câncer de pele anterior estavam presentes em 43,6 e 25,8%, respectivamente.

Já o estudo de Dergham9, em 2006, com o objetivo de analisar a ocorrência e os locais do corpo mais acometidos por lesões cancerosas de pele e também pela ceratose actínica, por meio de revisão de laudos anatomopatológicos, evidenciou uma alta frequência de lesões actínicas. Houve maior prevalência das lesões na sexta e sétima décadas, sendo a extremidade cefálica a localização mais comum das lesões estudadas.

O presente estudo coincide com os achados dos trabalhos citados acima, nos quais foi observada maior frequência de lesões em face, sendo que todos os pacientes foram expostos ao sol, e a ceratose actínica foi uma das lesões mais frequentes. A incidência de lesões na faixa etária entre 60 e 80 anos também foi mais frequente; porém, este trabalho mostra uma importante ocorrência de lesões em pacientes jovens.

A prevenção das alterações de pele devido à exposição crônica a radiação não-ionizante relacionada ao trabalho baseia-se na vigilância dos ambientes, das condições de trabalho e dos efeitos ou danos à saúde. A medida preventiva mais importante é a limitação da exposição à luz, uso de EPI e uso de fotoprotetores em áreas específicas onde o EPI possa não proteger adequadamente10.

Em relação à limitação da exposição à radiação ultravioleta, deve haver um incentivo para que os trabalhadores sejam orientados desde a juventude a buscar alternativas de trabalho fora dos horários de pico ou atividades em que não se exponham à radiação solar, principalmente na região Sul e Sudeste, onde existe um grande número de trabalhadores expostos com pele fototipos I e II.

A Norma Regulamentadora (NR) 31 preconiza que o empregador rural ou equiparado deve fornecer aos trabalhadores rurais expostos ao sol EPIs como chapéu de aba larga ou boné com touca árabe, ou outra proteção contra o sol e chuva, óculos de proteção contra radiações não-ionizantes e proteção do corpo inteiro nos trabalhos em que haja perigo de lesões provocadas por agentes de origem térmica, biológica, meteorológica e química, como aventais, jaquetas, capas e macacões11. As vestimentas devem ser de tecido de trama fechada e denso, para bloquear a ação ultravioleta, e apropriado às condições climáticas (temperatura e umidade)12.

Nenhuma legislação obriga o uso do protetor solar, mas seu uso pode ser indicado em áreas especificas da pele nas quais o EPI não possa em absoluto conferir a proteção desejada. O protetor solar aumenta a sudorese que, junto com a exposição à fuligem e poeiras, pode incomodar o trabalhador. Além disso, a necessidade de se reaplicar o creme de forma adequada a cada duas horas exige que o trabalhador se lave, e sabe-se que, ainda hoje, é comum em muitos trabalhos rurais não haver acesso à água para ingesta, quanto mais para limpeza. Esses fatos mostram as dificuldades em se recomendar cremes fotoprotetores como EPI nessas atividades, sendo necessário, portanto, investir em estudos cada vez mais elaborados sobre formas de proteção que independam de cremes.

Recomenda-se a verificação da adequação e cumprimento, pelo empregador, do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (NR 9), do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (NR 7) e de outros regulamentos – sanitários e ambientais – existentes nos estados e municípios12. A realização de exames médicos periódicos – com rigoroso exame dermatológico nos trabalhadores de grupos de risco, ainda que não reduzam a incidência dos carcinomas de pele relacionados (ou não) ao trabalho – podem contribuir para detecção da doença em estágios iniciais, aumentando o sucesso do tratamento.

 

CONCLUSÃO

Cerca de 90% dos cânceres de pele desenvolvem-se em regiões do corpo expostas ao sol. Profissionais expostos à intensa radiação solar têm taxas de incidência de câncer de pele e ceratose actínica mais elevadas do que a população em geral ou trabalhadores de outras profissões menos expostos à radiação actínica.

As alterações de pele decorrentes dessa exposição, tanto a ceratose actínica como o câncer, podem ser enquadradas no Grupo II da Classificação de Schilling, no qual as condições e ambientes de trabalho desempenham um papel aditivo aos outros fatores de risco não-ocupacionais.

O PECA mostra-se extremamente válido para a formação dos profissionais de saúde. A necessidade de ampliar a Medicina preventiva e de promover suporte ao atendimento básico de saúde, juntamente com uma nova forma de entrar em contato com diversidades sociais e culturais, traz aos participantes uma oportunidade de expansão de conhecimentos. Por meio do contato com a realidade social e cultural da região visitada pelo projeto, os participantes reforçam o compromisso com o atendimento integral do paciente e reafirmam a grande responsabilidade que têm como profissionais da saúde, ou mesmo como cidadãos, com a nossa sociedade.

A amostra de pacientes deste trabalho foi pequena, mas destacou a força de associação do risco laboral e do ambiente de trabalho para maiores inferências causais na vigilância epidemiológica dessa enfermidade.

A partir dos dados obtidos neste trabalho, propõe-se uma maior investigação de alguns pacientes analisados – por meio da realização de biópsias nos casos em que houve dúvida diagnóstica – e abordagem terapêutica em uma próxima etapa do trabalho, além de uma maior identificação de trabalhadores rurais com dermatoses ocupacionais, para aumentar a amostra do estudo.

Identificar as causas de doenças e saber a relação que elas têm com o trabalho do paciente melhora o sistema de informações e torna possível a criação de políticas públicas que possam prevenir as doenças do trabalho.

A associação entre especialidades clínicas com a Medicina do Trabalho é fator fundamental na melhoria de qualidade do diagnóstico causal das doenças, e este estudo demonstrou ser particularmente válido em relação à associação entre Medicina do Trabalho e a Dermatologia.

 

REFERÊNCIAS

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9. Dergham AP, Muraro CC, Ramos EA, Mesquita LAF, Collaço LM. Distribuição dos diagnósticos de lesões pré-neoplásicas e neoplásicas de pele no Hospital Universitário Evangélico de Curitiba. An Bras Dermatol. 2004;79(5):555-9.

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11. Ministério do Trabalho e Emprego. NR 31 - Segurança e saúde no trabalho na agricultura, pecuária silvicultura, exploração florestal e aqüicultura. Portaria GM n.º 86, de 03 de março de 2005. Portaria GM n. º 576, de 22 de novembro de 2007. Brasília: Diário Oficial da União; 2005.

12. Ministério da Saúde do Brasil. Organização Pan-Americana da Saúde/Brasil. Doenças relacionadas ao trabalho: manual de procedimentos para os Serviços de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2001.

Recebido em 6 de Julho de 2010.
Aceito em 19 de Agosto de 2010.

Trabalho realizado no Departamento de Medicina Social da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.


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