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ARTIGOS ORIGINAIS

Acidentes de trânsito em condutores de motocicletas e motonetas em Porto Velho no período de 2010 a 2014*

Traffic accidents involving motorcycle and motor scooter drivers in Porto Velho from 2010 to 2014

Heinz Roland Jakobi; Vanessa de Almeida Cruz

RESUMO

CONTEXTO: Os acidentes de trânsito em condutores de motocicletas e motonetas (MOTOS) em Porto Velho representam uma trágica e moderna epidemia urbana que afeta a capital do estado de Rondônia.
OBJETIVO: Analisar as estatísticas dos anuários de acidentes de trânsito em Porto Velho, voltados para acidentes com MOTOS no período de 2010 a 2014.
MÉTODOS: Pesquisa quantitativa retrospectiva documental, na qual foram avaliados os dados dos anuários estatísticos do Departamento Estadual de Trânsito de Rondônia.
RESULTADOS: A taxa de incidência de acidentes com MOTOS por habitante em Porto Velho teve um acréscimo de 2010 até 2011, chegando à taxa de 1.082/100 mil habitantes, diminuindo progressivamente até 710/100 mil habitantes no ano de 2014. O coeficiente de letalidade durante o quinquênio analisado permaneceu extremamente elevado, variando de 8,2 a 13/100 mil habitantes. O coeficiente de mortalidade por habitante atingiu, em 2010, o maior patamar 12,4/100 mil habitantes, regredindo sucessivamente até 2013, quando chegou a 6,6/100 mil habitantes.
CONCLUSÕES: O estudo revelou o expressivo aumento do número de MOTOS na cidade e o consequente aumento de acidentes envolvendo esses veículos, com vítimas fatais e não fatais em níveis de uma epidemia urbana moderna que agrava a qualidade de vida da população, com altos índices de morbidade e mortalidade impactando o Sistema Único de Saúde, a Previdência Social e o Judiciário, revelando a escassez de medidas governamentais que promovam e protejam os usuários de MOTOS.

Palavras-chave: acidentes de trânsito; motocicletas; morbimortalidade; letalidade.

ABSTRACT

BACKGROUND: Traffic accidents involving motorcycle and motor scooter drivers (MOTOS) in Porto Velho are a tragic, modern urban epidemic affecting the capital of the state of Rondônia, Brazil.
OBJECTIVE: To analyze statistic data on accidents involving MOTOS in annual reference books of traffic accidents in Porto Velho from 2010 to 2014.
METHODS: Retrospective documentary and quantitative study that assessed statistic data in annual reference books of the State Traffic Department of Rondônia.
RESULTS: The incidence rate of accidents involving MOTOS per inhabitant in Porto Velho increased from 2010 to 2011, reaching 1,082/100,000 inhabitants, to then gradually decrease to 710/100,000 inhabitants in 2014. The coefficient of lethality remained extremely high along the 5 analyzed years, varying from 8.2 to 13/100,000 inhabitants. The rate of mortality per inhabitant reached its highest level in 2010, 12.4/100,000 inhabitants, to then gradually decreased until 2013, when it was 6.6/100,000 inhabitants.
CONCLUSIONS: This study revealed a considerable increase in the number of MOTOS in the investigated city along the analyzed period and a consequent increase of accidents involving these vehicles. The numbers of fatal and nonfatal victims of these accidents are compatible with a modern urban epidemic, which impairs the quality of life of the population and is associated with high indexes of morbidity and mortality which exert impact on the Unified Health System, social security and the judiciary, pointing to a lack of governmental measures that promote the safety of and protect MOTOS users.

Keywords: accidents, traffic; motorcycles; morbidity and mortality; lethality

INTRODUÇÃO

A capital do estado de Rondônia, Porto Velho, está situada na Amazônia Ocidental brasileira, à margem direita do Rio Madeira. Em 2008, apresentava uma população de 378.186 habitantes, distribuídos em 34.082 km2, sendo a terceira maior cidade da região norte e a primeira capital brasileira a receber um megaempreendimento hidrelétrico em seu território1.

A política de Geoestratégia Brasileira na Integração da Infraestrutura Regional de eixos de Integração de Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) foi financiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e concebeu, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Projeto do Complexo do Rio Madeira na Geração de Energia Elétrica com a construção das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau e a linha de transmissão de energia elétrica interligando Porto Velho e Araraquara, em São Paulo2,3.

Em junho de 2008, o projeto de implantação do Complexo Hidrelétrico Rio Madeira iniciou as contratações dos trabalhadores para o Consórcio Santo Antônio Civil S/A das obras da Usina Hidroelétrica de Santo Antônio na cidade de Porto Velho. Em novembro de 2009 as obras de construção da Usina Hidroelétrica de Jirau foram iniciadas a 130 km da capital do estado3.

Todo o processo de desenvolvimento regional traz consigo um aumento do sistema de transporte que afeta todas as pessoas cotidianamente. O trânsito faz parte de todas as atividades da sociedade, e hoje constitui um dos grandes vilões do desenvolvimento regional, acarretando perdas materiais, financeiras e de vidas. Assim, os acidentes de trânsito se transformaram numa epidemia em áreas urbanas4.

Segundo o engenheiro e sociólogo Eduardo Vasconcellos5, "é difícil encontrar na história do Brasil, fora a escravidão, um fenômeno social tão destrutivo quanto o uso da motocicleta". Vasconcellos se refere às mortes e aos pedidos de indenização registrados em acidentes de trânsito envolvendo motocicletas e motonetas (MOTOS). Desde a introdução da motocicleta no Brasil, pelo menos 220 mil pessoas morreram e 1,6 milhão ficaram permanentemente inválidas devido a quedas e colisões com as motos, totalizando 1,8 milhão de acidentes. Esse autor infere erros na regulamentação e na capacitação na difusão das motos, agravados pela deficiência de transporte público, que resultaram em "uma tragédia que não se justifica".

Desde 2008, Porto Velho apresentou expressivo crescimento populacional decorrente da migração de trabalhadores para as obras de construção das usinas hidrelétricas do Madeira, impulsionando o desenvolvimento regional e impactando as medidas geopolíticas e de infraestrutura adotas para a população local1.

Esse crescimento populacional súbito teve importância significativa no aumento da frota de veículos na capital e em especial no incremento do uso de motos1.

O presente estudo objetivou analisar os acidentes de trânsito envolvendo motos, descrevendo o fenômeno epidêmico urbano que é relevante na capital do estado, município de Porto Velho, dos anos de 2010 a 2014.

 

MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa quantitativa, retrospectiva, documental, de série temporal dos acidentes de motos e de base populacional em Porto Velho. Foram analisados os dados de acidentes de trânsito envolvendo motos nos Anuários Estatísticos de Acidentes de Trânsito publicados pelo Departamento Estadual de Trânsito do Estado de Rondônia (DETRAN/RO)1,6-9. Definição de caso (inclusão): condutores e passageiros de motos vítimas de acidentes de trânsito no município de Porto Velho no período de 1º de janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2014. Exclusão de caso: condutores e passageiros vítimas de acidentes de trânsito que não envolveram motos e período anterior a 2010 e posterior a 2014. Variáveis de estudo: categoria dos acidentes, vítimas e óbitos. Análise dos dados: dados coletados e extraídos dos Anuários Estatísticos de Acidentes de Trânsito em Porto Velho publicados pelo DETRAN/RO de 2010 a 2014, que foram analisados e criticados, permitindo a descrição do fenômeno de acidentes envolvendo motos em Porto Velho. Foram construídas as taxas de incidência, os coeficientes de mortalidade e de letalidade da população de cada ano da série estudada por 100 mil habitantes (hab.). Foram utilizadas estimativas intercensitárias anuais e o Censo Demográfico realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Aspectos éticos: por se tratar de dados secundários e de domínio público, não existe a necessidade de submissão ao Comitê de Ética e Pesquisa, com dispensa de apreciação segundo os padrões éticos da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e das diretrizes éticas internacionais.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Segundo dados do IBGE, a população de Porto Velho teve expressivo crescimento populacional decorrente do processo migratório ocasionado pela construção das usinas hidrelétricas do Madeira, sendo que em 2008 possuía 378 mil hab. e em 2014, 494 mil hab., representando um acréscimo de 116 mil hab. em 6 anos1.

Com o não planejamento governamental e a falta de infraestrutura urbana adequada para suportar a alta migração, ocorreu um crescimento desproporcional no número de motos, se comparado ao de outros veículos9. Na última década ocorreu uma motorizarão da região urbana e rural de Porto Velho, acompanhando o fenômeno observado em países em desenvolvimento da Ásia e da América do Sul.

Antigamente, as motos tinham uso quase que exclusivo de lazer e esportivo, mas passaram a serem utilizadas como meio de transporte no percurso para o trabalho e no próprio trabalho, especialmente para entrega de produtos e serviços, objetos, documentos e alimentos em trabalho, caracterizando casos de acidentes de trabalhos típicos10,11.

Novas funções e postos de trabalho foram criados na capital do estado, como mototaxi, motoboy, representante comercial, promotor de vendas etc. No trabalho rural, a motocicleta substituiu a tração animal e é utilizada até no manejo com rebanhos bovinos e no transporte de insumos, em especial o leite bovino.

É um meio de transporte rápido, ágil e econômico, com a disponibilização de motos a preços muito acessíveis à população de baixa renda. Tais qualidades levaram a uma grande procura e ao aumento considerável da frota de motos no município, porém com alto risco para lesões e morte.

A evolução da taxa de crescimento da frota de veículos apresentou um grande crescimento de 2007 a 2008 (17,38%) até 2009 a 2010 (18,79%), quando ocorreu uma redução no crescimento atingindo 6,04% em 2013 e 2014. Em 2008 a 2009 ocorreu o maior percentual de crescimento da frota de motos, num percentual de 29,59%, decrescendo ao longo dos anos, de 23,85; 20,73; 11,46 e 8,2%, chegando ao crescimento de 6,81% em 2013-2014. Em Porto Velho, a frota de motos cresceu de 59.535 em 2010 para 92.583 em 2014, representando 39,35% do percentual da frota segundo o tipo de veículo9.

A falta de transporte coletivo em condições mínimas e adequadas também favoreceu em grande escala o crescimento no número de motos. A deficiência de infraestrutura viária, a dificuldade de fiscalização quanto à habilitação, ao uso de equipamentos de proteção como capacetes, o consumo de bebidas alcoólicas por motociclistas e a deficiência de atendimento médico-hospitalar elevaram o risco de acidentes de trânsito, e consequentemente as taxas de morbidade, mortalidade e letalidade, em especial dos acidentes envolvendo as motos12.

Segundo dados do DETRAN-RO, em 2010, de uma frota estadual de 560.520 veículos, 307.556 eram motos, representando o principal meio de transporte no estado. A frota de motos, que estava em forte ascensão, teve um aumento de 23,85%. Porém, essa explosão da frota teve e tem as suas consequências. Foram registrados em Porto Velho, nesse período, 7.897 acidentes, desses, 47,6% envolvendo motociclistas, com alto grau de morbidade e considerável mortalidade6.

O ano de 2010 foi o de maior crescimento da frota e de acidentes envolvendo as motos. Tendo 59.535 motos para 76.354 automóveis. O número alarmante de acidentes com vítimas, tanto fatais como não fatais, decorre do aumento considerável de pessoas na cidade de Porto Velho e da economia e eficiência das motos.

A frota de veículos no ano de 2011 em Rondônia apresentou um crescimento estimado na ordem de 16,14%, o que representou um dos maiores aumentos do país, se não o maior. A frota de motos, que estava em ascensão, teve um aumento de 19,55%, gerando ainda mais acidentes envolvendo tais veículos automotores.

Em 2013, a capital do estado possuía uma frota de 86.683 motos, sendo que sua frota total era de 221.908 automóveis. O ano de 2013 teve o menor crescimento anual em relação aos outros anos, apenas 8,2%4.

Segundo o tipo de acidente, a colisão e o abalroamento representam a maior causa de acidentes com vítimas, representando 75,4% dos acidentes. A maioria dos acidentes ocorre durante o dia, representando 65,5%.

A Figura 1 representa os acidentes de trânsito segundo o tipo de veículo em Porto Velho, de 2010 a 2014. O crescimento do número de acidentes com vítimas acompanhou o aumento da frota de veículos até o ápice, em 2011, quando atingiu 5.356 acidentes, decaindo sucessivamente até o patamar de 3.853 em 2014.

 


Figura 1. Acidentes de trânsito segundo o tipo de veículo em Porto Velho, de 2010 a 2014.

 

A Figura 2 apresenta os acidentes de trânsito com vítimas envolvendo motos em Porto Velho, de 2010 a 2014. Em 2011, ocorreu aumento no número de acidentes de trânsito envolvendo vítimas e a diminuição de acidentes com vítimas fatais, comparado ao ano anterior. Isso é explicado pela melhoria da infraestrutura urbana e pelas campanhas de fiscalização de trânsito na capital. Já o ano de 2012 foi marcado por diminuição no número de vítimas, mas aumento no número de vítimas fatais. Em 2013, o número de motos teve um acréscimo de 27.148 motos, comparado a 2010. O número de vítimas chegou a 4.420 em 2013, pequeno aumento se comparado ao ano de 2010, com 4.387 vítimas, mas com significativa diminuição de vítimas fatais8. O ano de 2014 é marcado pela considerável diminuição de acidentes com vítimas, 3.509. Mas com um aumento no número de vítimas fatais, se comparado a 2013, e diminuição se comparado a 20101.

 


Figura 2. Acidentes de trânsito com vítimas envolvendo motocicletas e motonetas em Porto Velho, de 2010 a 2014.

 

Desde a década passada o número de acidentes com vítimas envolvendo motos apresentou um crescimento expressivo até atingir o seu apogeu em 2011, com 4.711 acidentes. Ocorreu, desde então, um decréscimo, representando 3.509 acidentes de motos em 2014.

Durante o período de 2010 a 2014, o percentual anual de motos envolvidas em acidentes com vítimas apresentou um crescimento de 47,6 para 50,2% de todos os veículos envolvidos em acidentes.

O perfil de vítimas não fatais são pessoas do sexo masculino na faixa etária de 30 a 59 anos. Os motociclistas representaram 54,9% das vítimas não fatais em acidentes de trânsito em 2014.

Em 2014, a boa notícia para os cidadãos de Porto Velho foi a grande redução no número de vítimas não fatais (5.816), que em 2014 teve uma queda de 20,2% se comparado ao ano anterior (2013). A má noticia ficou por conta das vítimas fatais (74) com aumento de 12,1% quando comparado com o ano de 20139.

A maior ocorrência de óbitos no trânsito de Porto Velho aconteceu no ano de 2008, com 130 vítimas fatais. Esse número decresceu até o ano de 2014, com 74 óbitos. O perfil de vítimas fatais é de pessoas do sexo masculino (86,5%) na faixa etária de 30 a 59 anos (51,4%).

Como em diversos estados brasileiros, o número de motos em Porto Velho suplantou o número de veículos automotores e nos índices de acidentes, em especial os fatais. Os acidentes fatais envolvendo motos são expressivamente predominantes em relação aos com outros veículos de transporte terrestre. Os motociclistas representaram 58,1% das vítimas fatais em acidentes de trânsito em 2014.

No trânsito dos Estados Unidos da América (EUA), do ano de 2010 até 2014, os acidentes com motos representaram cerca de 14% dos óbitos. Em 2014, um total de 4.295 motociclistas morreu em acidentes13.

As principais causas de acidentes de trânsito com motos em Porto Velho são: a direção sob efeito de álcool, a falta de habilitação e a má formação sobre segurança e educação no trânsito.

Os capacetes são 37% eficazes na prevenção de mortes com motos13 e a principal causa de mortalidade e sequelas graves é a falta do uso de capacete pelos motociclistas.

O percentual de condutores inabilitados envolvidos em acidentes de trânsito vem crescendo de 7,3% em 2010 para 9,3% em 2014. Em 2014, nos EUA, 28% dos condutores de motocicletas mortos não possuíam carteira de motorista13.

Na colisão, a energia cinética é transformada em mecânica, dissipando-se pela superfície corpórea, seja indo de encontro com a via pública, seja com os objetos da mesma ou outros veículos a motor. Como consequência, há ocorrência de vítimas politraumatizadas com lesões mais graves14.

Segundo Soares et al.15, as lesões mais graves e os politraumatismos podem ser explicados por vários fatores, destacando-se:

• motociclistas têm maior exposição corpórea;

• a dificuldade de visualização das motos é maior para os outros motoristas;

• entre os motociclistas é maior a prevalência de comportamento inadequado no trânsito.

A quase totalidade desses acidentes se dá em via pública, caracterizando-os como acidente de trânsito — transporte, lazer, trajeto ou do trabalho. Sobre as características dos motociclistas, as principais vítimas dos acidentes de transporte, predominaram os adultos do sexo masculino e com melhor nível de escolaridade. As principais partes do corpo atingidas são os membros inferiores. Foram observadas altas incidências de fraturas de tíbia e fêmur, seguidos pela fíbula, ossos do pé e patela15-17.

Em 2014, o Ministério do Trabalho e Emprego aprovou o direito ao adicional de periculosidade, sendo considerada atividade perigosa as situações de trabalho com utilização de motos18. Assim, o uso de motos no ambiente de trabalho está regulamentado e segurado, porém, na prática, inexistem medidas governamentais que garantam ao trabalhador a queda no número de acidentados e a efetiva redução da mortalidade e morbidade dos usuários de motos. Ainda se observam altos gastos para o estado brasileiro, tanto no Sistema Único de Saúde (SUS) como na Previdência Social e no Judiciário, decorrentes dos acidentes envolvendo as motos.

A utilização desse veículo como ferramenta de trabalho favoreceu o aumento de colisões e, consequentemente, a demanda por atendimento hospitalar, especialmente entre os mais pobres.

A Tabela 1 apresenta o quadro sinóptico de motos no município de Porto Velho no período de 2010 a 2014.

 

 

No biênio 2011-2012, em Porto Velho, ocorreu o maior crescimento da frota de automóveis e motos, e a maior proporção de motos por habitantes coincidindo com o pico das obras de construção das Usina Hidrelétrica do Madeira. Esse período foi crítico para a segurança dos usuários de motos no trânsito de Porto Velho, quando ocorreram elevadas taxas e coeficientes morbidade, mortalidade e letalidade.

A taxa de incidência de acidentes com motos por habitante em Porto Velho teve um acréscimo de 2010 até 2011, chegando a taxa de 1.082/100 mil hab., diminuindo progressivamente até 710/100 mil hab. no ano de 2014. Em 2008, na cidade de Rio Branco, Acre, a taxa de incidência foi de 354,7/100 mil hab.19. Na cidade de Corumbá, Mato Grosso do Sul, no ano de 2010, segundo dados de Ganne et al.20, a incidência foi de 364,5/100 mil hab.

O coeficiente de letalidade durante o quinquênio analisado permaneceu extremamente elevado, variando de 8,2 a 13,0/100 mil hab.

O coeficiente de mortalidade por habitante atingiu, em 2010, o maior patamar, 12,4/100 mil hab., regredindo sucessivamente até 2013, quando chegou a 6,6/100 mil hab.

Em 2013, a implantação e consolidação da Operação "Lei Seca", o aumento na fiscalização, a execução de projetos de educação de trânsito e os convênios de sinalização influenciaram diretamente na redução desses indicadores do município analisado.

Na comparação com outros municípios brasileiros, temos na literatura: em 1982, na cidade de São Paulo, o coeficiente de mortalidade de aproximadamente 2,0/100 mil hab.21. Em 2008, na cidade de Rio Branco, Acre, o coeficiente de mortalidade foi de 10,0/100 mil hab., valores que corroboram os achados deste estudo19. A cidade de Corumbá, Mato Grosso do Sul, no ano de 2010, segundo dados de Ganne et al.20, apresentou um coeficiente de mortalidade de 2,9/100 mil hab.

No estado de Pernambuco, no período de 1998 a 2009, o coeficiente de mortalidade por acidentes com motos foi de 2,81/100 mil hab. Em 2010, atingiu 8,5/100 mil hab.12.

No Brasil, a partir da década de 1990, ações de política pública do governo federal incentivaram a fabricação, a compra e o uso da motocicleta no Brasil. A frota cresceu rapidamente e as motos passaram a ser usadas intensamente em todo o país. O processo, no entanto, teve um desfecho trágico, levando à morte ou à invalidez permanente quase 2 milhões de pessoas. Segundo Vasconcellos5, do ponto de vista social, o incentivo governamental brasileiro ao uso de motocicletas no país foi um desastre, uma tragédia, com um custo social tão alto em tão pouco tempo.

Na última década no Brasil, o número de acidentes e de internações hospitalares por acidentes envolvendo motos triplicou: passou de 11,0 internações por 100 mil hab. no ano 2000 para 37,0 internações por 100 mil hab. em 201011. Das 43.075 mortes no trânsito ocorridas no Brasil, em 2013, 12.040 mortes (28%) foram de motociclistas ou passageiros de motos, mais de 3 vezes o número de mortos em 2002, quando 3.773 perderam a vida. Já o número de feridos em acidentes com motos quadruplicou no período: de 21.692 para 88.68222.

O Brasil apresentou, em 2010, uma taxa de mortalidade por acidentes de transporte terrestre (ATT) em torno de 21,5/100 mil hab.12 acima da média mundial (19/100 mil hab.) e da média dos países de alta (12,6/100 mil hab.) e de baixa renda (20,2/100 mil hab.)23,24. Os acidentes envolvendo motocicletas representavam a terceira maior taxa de mortalidade no grupo dos ATT e, a partir de 2009, já eram responsáveis pela maior taxa de mortalidade por ATT: 6,2/100 mil hab.11,24.

O Brasil, em 2013, possuía uma população de 201.032.714 habitantes, com 21.597.415 motos, e ocorreram 88.682 acidentes com motos. Das 43.075 mortes no trânsito, 12.040 mortes foram de motociclistas25. A taxa de incidência de acidentes com motos foi de 44,1/100 mil hab., o coeficiente de mortalidade foi de 6,0/100 mil hab. e o de letalidade foi de 7,4/100 mil hab.

De 2008 a 2013, o número de internações devido a ATT aumentou 72,4%. Considerando apenas os acidentes envolvendo motos, o índice chega a 115%. Em 2013, o SUS registrou 170.805 internações por acidentes de trânsito e R$ 231 milhões foram gastos no atendimento às vítimas. Desse total, 88.682 internações foram decorrentes de acidentes com motos, o que gerou um custo ao SUS de R$ 114 milhões, um aumento de 170,8% em relação a 2008. Esse valor não inclui custos com reabilitação, medicação e o impacto em outras áreas da saúde22. Em 2014 foram registradas 22.341 indenizações por morte e 474.348 indenizações por invalidez5.

Desde 2005, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, os acidentes de tráfego vêm compondo inúmeros eventos agravantes para a saúde de uma população mundial, em especial na América. Os EUA apresentaram uma taxa de mortalidade por acidente de trânsito de 29,7/100 mil hab.; seguidos do Chile, com taxa 25,3/100 mil hab.; México, com 21,4/100 mil hab. e; Argentina, com 17,1/100 mil hab. Em países europeus, a problemática não é muito diferente: a Alemanha apresenta taxa de 10,5/100 mil hab. e a Holanda, 8,4/100 mil hab. No continente Asiático, a taxa é de 13,7/100 mil hab.19,26.

A Tabela 2 apresenta o quadro sinóptico comparativo do ano de 2013 em Porto Velho, no Brasil, na Alemanha e nos EUA, na qual se observa os elevados indicadores de morbimortalidade do município em relação à nação e a outros países.

 

 

Em 2013, Porto Velho apresentou uma taxa de incidência de acidentes envolvendo motos de 913,2/100 mil hab., coeficiente de mortalidade 6,6/100 mil hab. e de letalidade 13,0/100 mil hab., indicadores acima dos nacionais e internacionais. No Brasil, a taxa de incidência de acidentes de motos foi de 44,1/100 mil hab., o coeficiente de mortalidade, de 6,0/100 mil hab. e o de letalidade, de 73,6/100 mil hab. Na África, em Angola, é a segunda maior causa de mortalidade, depois da malária27. Na Alemanha28, a taxa de incidência de acidentes de motos foi de 52,00/100 mil hab., o coeficiente de mortalidade foi de 0,07/100 mil hab. e o de letalidade, de 654,10/100 mil hab. Nos EUA13,29, a taxa de incidência de acidentes de motos foi de 27,8/100 mil hab., o coeficiente de mortalidade, de 1,4/100 mil hab. e o de letalidade, de 199,9/100 mil hab.

 

CONCLUSÃO

Este estudo contemplou a análise dos acidentes de trânsito envolvendo motos, descrevendo esse fenômeno epidêmico urbano que é extremamente relevante e preocupante em Porto Velho. Os principais achados e conclusões deste estudo estão a seguir.

O município apresentou uma forte expansão da frota de motos, comprometendo as medidas políticas adotas para a população local, gerando forte impacto na qualidade de vida da população portovelhense, gerando alta morbimortalidade no trânsito, em especial dos usuários de motos.

Os anuários estatísticos de acidentes de trânsito representam importante ferramenta de orientação para o estudo da epidemia urbana dos acidentes de trânsito envolvendo motos, promovendo a conscientização da população na mudança de atitudes que preservem a vida.

A implantação e consolidação da Operação "Lei Seca", o aumento na fiscalização, a execução de projetos de educação de trânsito e os convênios de sinalização são medidas que influenciaram diretamente na redução dos altos índices acidentários de trânsito do município.

O monitoramento das ações que visam à mitigação dos eventos de acidentes de trânsito requer uma reflexão maior no estabelecimento de efetivas políticas públicas visando minimizar essa epidemia, em especial na correção da deficiência de infraestrutura viária, na efetiva fiscalização da habilitação, no uso de equipamentos de proteção como capacetes, na coibição do consumo de bebidas alcoólicas por motociclistas e na melhoria do atendimento médico, pré-hospitalar e hospitalar especializado, em acidentes de trânsito.

Implantar uma adequada política de trânsito no município, para a sistematização do desenvolvimento regional sustentado, possibilitando a transformação da realidade a partir de investimentos na formação do ser humano, evitando perdas econômicas e, principalmente, de vidas.

Acreditamos que se faz necessário o envolvimento da mídia como importante instrumento no auxílio à redução dos acidentes de trânsito, modificando o comportamento da população, conscientizando para o uso das motos tanto para uso pessoal como profissional.

Para reduzir o número de acidentes, temos que restringir o uso das motos em várias situações, não permitindo sua circulação entre carros, e reduzir os limites de velocidade.

O Estado, nas três esferas de governo, deve incrementar medidas de ação para a prevenção e redução da morbimortalidade por acidentes de trânsito em condutores de motos, trágico problema de saúde pública e social no Brasil.

Faz-se necessário enfatizar a importância de novos estudos, com períodos mais longos de observação, que possibilitem cálculos de indicadores para avaliar a influência, com mais profundidade, dos diversos fatores, como os traumas, a morbidade, a incapacidade laboral, as sequelas, os impactos na previdência, a infraestrutura, a atuação do Estado, a educação e os impactos na economia, entre outros aspectos.

 

REFERÊNCIAS

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*Trabalho de Iniciação Científica do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – 2015.

Recebido em 26 de Agosto de 2016.
Aceito em 19 de Janeiro de 2017.

Trabalho realizado no Centro Universitário São Lucas – Porto Velho (RO), Brasil.

Fonte de financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ).


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