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ARTIGO DE REVISÃO

Trabalhadoras gestantes e lactantes: impacto de agentes de risco ocupacional (ARO) no processo de gestação, no concepto e no lactente

Pregnant and nursing workers: impact of occupational risk agents (ORA) on the process of gestation, the conceptus and the infant

Marcelo Pustiglione

DOI: 10.5327/Z1679443520170039

RESUMO

CONTEXTO: No Brasil, pelo menos desde 1943, os aspectos relacionados à saúde e à segurança da mulher trabalhadora é objeto de preocupação trabalhista, de modo que a sua condição de gestante e lactante está incluída na legislação. Se por um lado a Lei nº 13.287, de 11 de maio de 2016, reforçou essa preocupação, por outro revelou a necessidade de um estudo mais aprofundado sobre os riscos ocupacionais relacionados à mulher grávida e à que amamenta.
OBJETIVO: Levantar o estado da arte, buscando informações sobre os agentes de risco ocupacional (ARO) para trabalhadoras gestantes e lactantes e seus impactos no concepto e no lactente e, em decorrência, construir um referencial teórico que possa fundamentar decisões técnicas, administrativas, políticas e legais.
Método: Foi realizada revisão bibliográfica integrativa, considerando a literatura nacional e internacional e buscando responder de forma consistente o problema em estudo, a saber, quais os agentes de risco presentes no ambiente/processo de trabalho da gestante e da lactante e seus impactos na gestação, no concepto e no lactente.
RESULTADOS: Foram selecionadas 17 referências, sendo 14 artigos (8 internacionais e 6 nacionais), 2 manuais e 1 entrevista, publicados entre os anos de 1985 e 2016. Os dados levantados foram organizados em seis quadros correspondendo aos ARO.
CONCLUSÃO: Considerando o estágio atual de conhecimento, observou-se que os ARO de natureza química, biológica, psicossocial e organizacional, e acidental podem pôr em risco a gestação, o concepto e o lactente. Já os ARO de natureza física e biomecânica parecem não representar risco apenas no caso do lactente. São também propostos fluxogramas preventivos para a abordagem da trabalhadora gestante e lactante.

Palavras-chave: segurança no trabalho; gestação; aleitamento materno.

ABSTRACT

BACKGROUND: In Brazil, aspects related to the health and safety of working women are a matter of occupational concern at least since 1943; as a result, the conditions of pregnancy and lactation are included in the legislation. While on the one hand Law no. 13,287, from May 11, 2016, reinforces this concern, on the other it reveals the need for a more thorough study of occupational risks related to pregnant and breastfeeding women.
OBJECTIVE: To raise the state of the art by seeking information about occupational risk agents (ORA) for pregnant and nursing workers and their impacts on the conceptus and the infant to then develop a theoretical framework likely to ground technical, administrative, political and legal decisions.
METHOD: An integrative review was performed of Brazilian and international literature to give a consistent answer to the problem under study, namely, what risk agents are present in the work environment/process of pregnant and nursing women and what impacts they have on gestation, the conceptus and the infant.
RESULTS: 17 references were selected, being 14 articles (8 international and 6 Brazilian), 2 handbooks and 1 interview, published from 1985 to 2016. The data collected were organized in six tables corresponding to various types of ORA.
CONCLUSION: Considering the current stage of knowledge, ORA of chemical, biological, psychosocial and organizational or accidental nature might put gestation, the conceptus and the infant at risk. In turn, ORA of physical or biomechanical nature do not seem to represent a risk for the infant only. Preventive flowcharts are proposed for the approach of pregnant and nursing workers.

Keywords: occupational health; pregnancy; breastfeeding.

INTRODUÇÃO

De acordo com o The world factbook, 213 milhões de mulheres engravidaram em todo o mundo em 2012. Dessas, 190 milhões em países em vias de desenvolvimento e 23 milhões em países desenvolvidos. Isso corresponde a cerca de 130 gravidezes a cada mil mulheres entre 15 e 44 anos de idade1. No mesmo ano, no Brasil, a população estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estava próxima de 194 milhões, sendo que as mulheres representavam 51,5% dessa população (cerca de 100 milhões de habitantes). Dentre as mulheres, 43% (43 milhões) participavam da força de trabalho e cerca de 15 milhões tinham entre 15 e 49 anos; portanto, com possibilidade de engravidar2.

De acordo com a Secretaria de Vigilância da Saúde do Ministério da Saúde, no Brasil, em 2011, foram registrados 2,8 milhões de partos3. O número estimado de profissionais da enfermagem (enfermeiros, técnicos e auxiliares), considerando o maior contingente dos profissionais da saúde, gira em torno de 1,6 milhão, dos quais 1,4 milhão (84,6%) são mulheres4. Assim podemos estimar a magnitude do problema enfrentado; ou seja, incluindo outras categorias de profissionais da saúde, estamos falando de cerca de 300 mil trabalhadoras do setor da saúde grávidas por ano, vivendo uma situação, muitas vezes nova e não raramente estressora.

A gravidez deve ser entendida como um período de ricas experiências, repleto de simbolismos e expectativas, mas, ao mesmo tempo, pode representar causa potencializadora de situações críticas e de maior vulnerabilidade pessoal. “Se por um lado, a gravidez corresponde a uma fase feliz da vida da mulher... muitas outras são caracterizadas por vivências ou acontecimentos de vida que as marcam como períodos complexos e difíceis”5.

Quando incluímos o trabalho nesse contexto, com seus riscos e representações e sua dualidade taoista, nunca neutro na vida das pessoas, motivador e saudável por um lado e desencadeador ou potencializador de doenças por outro, o cenário se torna bastante complexo e delicado. Uma vez grávida, a trabalhadora não está mais sozinha, pois carrega consigo um (ou mais de um) ser sensível a todas as variações dos ambientes interno e externo. Além disso, as fantásticas modificações biológicas, físicas e psíquicas que ocorrem com a gestante, ao mesmo tempo em que a preparam e fortalecem para o parto, também a fragilizam, podendo limitar de maneira variada suas atividades, além de torná-la mais sensível em relação à dinâmica social, às relações interpessoais e aos agentes de risco ocupacional.

Com relação à amamentação, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que seja “exclusiva” até os seis meses da criança e “complementada” até dois anos ou mais6. Parece não haver vantagens em se iniciar os alimentos complementares antes dos seis meses. No Brasil, a posição oficial é que a “amamentação exclusiva” deve se estender até os seis meses de vida da criança, e isso é apoiado por lei. De acordo com os estudos do Círculo de Estudo, Pensamento e Ação (CEPA) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), “a última pesquisa sobre a situação do aleitamento materno em nível nacional encontrou uma mediana de duração da amamentação de sete meses e de amamentação exclusiva de apenas um mês”6. O mesmo documento aponta que “apesar da grande maioria das mulheres (96%) iniciar a amamentação, apenas 11% amamentam exclusivamente no período de quatro a seis meses, 41% mantêm a lactação até o final do primeiro ano de vida e 14% até os dois anos”6.

Não há dúvidas sobre os benefícios da amamentação tanto para o bebê quanto para a mãe7,8. De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria, “além de suprir com os nutrientes necessários ao bebê, amamentar ajuda o corpo a voltar ao normal, pode prevenir as chances da mãe contrair alguns tipos de câncer e pode funcionar como anticoncepcional natural”8. Estudo realizado em cerca de 140 mil mulheres, com idades entre 50 e 79 anos e que deram à luz pelo menos uma vez, revelou que o aleitamento materno:

• evita bebês desnutridos ou obesos;

• protege o bebê de doenças;

• aumenta o vínculo entre mãe e filho;

• ajuda a mãe a se recuperar mais rápido após o parto;

• é um anticoncepcional natural; e

• pode reduzir risco de doenças cardiovasculares nas mães8.

No ano de 2011, a população feminina era de cerca de 100 milhões, dos quais em torno de 36 milhões estavam na faixa entre 20 e 50 anos de idade9,10. Nesse mesmo ano, tivemos registrados 2,8 milhões de partos, ou seja, aproximadamente 13 partos para cada 100 mulheres nessa faixa etária3. O número estimado para trabalhadoras de serviços de saúde na ocasião era de 1,4 milhão4, o que nos permite inferir que, nesse grupo de pessoas, ocorreram cerca de 180 mil partos. Consequentemente, cerca de 20 mil trabalhadoras de serviços de saúde amamentaram seus filhos por um período de 4 a 6 meses, 73,8 mil até o fim do primeiro ano de vida da criança e 25 mil até os 2 anos.

A mulher gestante e lactante tem seus direitos garantidos por lei: Capítulo III, Seção IV, artigos 389, 392, 396 e 400 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)11, conforme Quadro 1.

 

 

Vale lembrar que a Constituição Federal proíbe a demissão sem justa causa ou arbitrária da trabalhadora gestante, garantindo estabilidade no emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto12.

Assim, para que as trabalhadoras lactantes consigam seguir a recomendação da OMS, do Ministério da Saúde e das Sociedades de Pediatria — de amamentar por dois anos ou mais, sendo exclusivamente no peito nos primeiros seis meses —, é fundamental que, após a licença-maternidade, elas tenham o apoio dos empregadores. “Uma forma de ajudar é disponibilizar salas de apoio à amamentação, a fim de prover um ambiente acolhedor e adequado à coleta e ao armazenamento do leite, para que ele seja oferecido posteriormente para a criança com segurança e qualidade”13. As empresas e empregadores estão autorizados a adotar o sistema de reembolso-creche, em substituição à exigência de creche no local de trabalho. A exigência também pode ser suprida por meio de creches distritais mantidas por convênios com a empresa ou com outras entidades públicas e privadas ou a cargo do Serviço Social da Indústria (SESI), do Serviço Social do Comércio (SESC) e das entidades sindicais. Assim, como vimos, o cuidado e os direitos da trabalhadora gestante e lactante estão adequadamente contemplados na CLT.

A partir de 2005, gestantes e lactantes que trabalham em serviços de saúde passaram a contar com um instrumento legal a mais nesse sentido: a Norma Regulamentadora nº 32 (NR32)14. De acordo com o item 32.3.9.3.4 dessa norma, “toda trabalhadora gestante só será liberada para o trabalho em áreas com possibilidade de exposição a gases ou vapores anestésicos após autorização por escrito do médico responsável pelo [Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional] PCMSO, considerando as informações contidas no [Programa de Prevenção de Riscos Ambientais] PPRA”14. Com relação aos quimioterápicos antineoplásicos, o item 32.3.9.4.6, em sua alínea “b”, determina “afastar das atividades as trabalhadoras gestantes e nutrizes”14. No que diz respeito às radiações ionizantes, o item 32.4.4 determina que “toda trabalhadora com gravidez confirmada deve ser afastada das atividades com radiações ionizantes, devendo ser remanejada para atividade compatível com seu nível de formação”14.

Como podemos observar, as lactantes só estão contempladas no item relativo aos quimioterápicos antineoplásicos. Além disso, nem as gestantes e nem as lactantes são objeto de regulamentação quanto aos agentes de risco de natureza biológica e os produtos químicos de uma maneira geral. Se considerarmos a possibilidade de transmissão vertical do HIV e a necessidade de interromper o aleitamento materno no caso de contaminação acidental, esse tema passa a ser de enorme relevância e também deve ser objeto de legislação.

Em 11 de maio de 2016, a Presidência da República do Brasil publicou a Lei nº 13.28715, que proíbe qualquer atividade insalubre durante gestação e lactação, pela força do acréscimo à CLT do artigo 394-A: “A empregada gestante ou lactante será afastada, enquanto durar a gestação e a lactação, de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres, devendo exercer suas atividades em local salubre”.

Considera-se atividade insalubre aquela que expõe o trabalhador a agentes de risco ocupacional (ARO) específicos, ou seja, de natureza física, química e biológica. Na dinâmica do chamado “risco ocupacional” três elementos devem ser considerados:

1. O agente de risco, referido como “hazard” na literatura mundial, entendido como qualquer fonte ou elemento que, presente num determinado ecossistema laboral e sob certas condições do local e processo de trabalho, tem o potencial de causar dano ou agravos à saúde do trabalhador (Ex.: eletricidade, piso escorregadio, um agente biológico como os vírus da hepatite B, AIDS e Mycobacterium tuberculosis denominados na literatura especializada “agentes biológicos perigosos” – ABP;

2. A exposição, referida como “danger” – perigo – relacionada aos aspectos qualitativos e quantitativos do contato do trabalhador com o agente de risco, isto é, a ocorrência efetiva de exposição ao “hazard”. Trata-se de um evento cuja probabilidade depende da implantação ou não de medidas e equipamentos de proteção coletiva (sinalização, p.ex.) e individual (máscara de proteção respiratória, p.ex.), capacitação, treinamento e educação continuada dos trabalhadores. No caso dos ABP também tem importância o tempo que o trabalhador está exposto ao ABP e qual a forma (protegida, desprotegida, deliberada ou não) e qual o potencial de virulência, infectividade e patogenicidade do ABP e a condição de susceptibilidade e imunogenicidade do trabalhador;

3. O risco ou “risk”, em decorrência, é a possibilidade ou probabilidade do trabalhador efetivamente exposto e sem proteção se acidentar ou adoecer, ou seja, quão grande é a chance de dano ou agravo à saúde do trabalhador decorrente de exposição (“danger”) ao agente (“hazard”). No caso de ABP corresponde à chance do trabalhador adquirir uma doença infecciosa, seja por ferimento, seja por exposição direta ou ambiental ao agente. Como já foi dito, trata-se de um evento cuja probabilidade depende das características de patogenicidade do agente de risco, da suscetibilidade do indivíduo exposto e da vulnerabilidade ou exposição não protegida.

Podemos então concluir que o risco (“risk”) de ocorrer eventos ou desfechos indesejados determinados pelo trabalho depende da relação agente/exposição. Assim, o agente de risco está ou pode estar presente no processo/ ambiente de trabalho; a exposição pode ser reduzida ao máximo e até anulada utilizando-se barreiras adequadas; o risco depende, numa primeira instância, da exposição. Portanto, não havendo o agente de risco (“hazard”) não haverá perigo de exposição (“danger”) nem agravo (“risk”) e não havendo exposição (“danger”), mesmo havendo o agente de risco (“hazard”), não haverá dano (“risk”). Desta forma, as medidas de proteção e prevenção devem estar focadas na redução ao máximo, até a eliminação do agente de risco (hazard) e na impossibilidade e inadmissibilidade de exposição desprotegida (danger). Esta é a regra de ouro da segurança e saúde no trabalho16.

Por outro lado, observa-se que, na avaliação da salubridade, os ARO ditos “ergonômicos” e de acidentes não são objeto de discussão. Quanto à concepção de “risco ergonômico”, não cabe considerar a ergonomia como um agente de risco (“hazard”) se levarmos em conta: que a ergonomia é uma ciência que estuda a relação entre o homem e seu trabalho, buscando desenvolver uma integração perfeita entre as condições de trabalho, as capacidades e limitações físicas e psicológicas do trabalhador e a eficiência do sistema produtivo; e que, por meio dessas ações, tem como objetivo otimizar as condições de trabalho garantindo condições laborais seguras e saudáveis16.

Na literatura são considerados três tipos de ergonomia:

1. Ergonomia física: relacionada às características anatômica, antropométrica, fisiológica e biomecânica do trabalhador e o tipo de atividade física executada no trabalho (p.ex.: postura, movimentos repetitivos, posto de trabalho etc.);

2. Ergonomia cognitiva: relacionada aos processos mentais (percepção, raciocínio, memória) e à decorrente resposta motora envolvidos no processo de trabalho e na relação interpessoal ou intersubjetividade (p.ex.: carga mental, tomada de decisão, desempenho especializado, interação com pessoas e equipamentos, estressores imateriais ambientais e falhas no treinamento e capacitação);

3. Ergonomia organizacional: relacionada à forma como as tarefas foram concebidas e organizadas e ao nível de participação do trabalhador nas decisões (p.ex.: comunicação, projeto de trabalho, organização temporal, trabalho em grupo, projeto participativo e cooperativo, cultura e clima organizacional, gestão de qualidade)16.

Podemos observar nessa classificação duas grandes categorias de agente de risco decorrentes de não conformidades ergonômicas no trabalho: biomecânica; e psicossocial e organizacional. Em decorrência, é proposta uma nova classificação de ARO que será utilizada na sequência deste trabalho, a saber, ARO de natureza: física; química; biológica; biomecânica; psicossocial e organizacional; e acidental16.

Dessa forma, havendo agente de risco de qualquer natureza — e aí entenda-se os específicos (físico, químico e biológico) e os relativos à ergonomia física e cognitiva, além do risco de acidentes, particularmente os que envolvem sangue e secreção e materiais perfurocortantes — no processo ou ambiente de trabalho da gestante ou da lactante, esta deverá ser afastada enquanto sua condição de gestante ou lactante perdurar. Desnecessário dizer a magnitude do impacto dessa lei em alguns segmentos produtivos, como os serviços de saúde, por exemplo, pela importância quali-quantitativa da mulher nesse setor.

Diante dessa situação, uma questão fundamental deve ser levantada: os agentes de risco ocupacional têm a mesma importância na gestação e no aleitamento? Respondendo essa questão, a lei pode ser aprimorada beneficiando a todos os atores envolvidos: os empregadores, que poderão ter ampliado o leque de atividades e ambientes para alocação das gestantes e lactantes; as trabalhadoras, que não serão objeto de discriminação ou assédio moral; e os recémnascidos, que poderão ser beneficiados pelo aleitamento materno prolongado.

 

OBJETIVOS

1. Levantar o estado da arte, buscando informações sobre os agentes de risco ocupacional para trabalhadoras gestantes e lactantes e seus impactos no concepto e no lactente.

Em decorrência:

2. Construir um referencial teórico que possa fundamentar decisões técnicas, administrativas, políticas e legais.

 

MÉTODO

Foi realizada revisão bibliográfica integrativa considerando a literatura nacional e internacional e determinando o conhecimento atual sobre o tema estudado, de modo a possibilitar a identificação, análise crítica e síntese dos resultados verificados, e apontar eventuais lacunas e entraves teóricos existentes.

O referencial teórico foi construído por meio da contextualização de todas as informações e estudos relevantes, a fim de qualificar a discussão dos resultados e responder de forma consistente o problema em estudo, a saber, quais os agentes de risco presentes no ambiente/processo de trabalho da gestante e da lactante e seus impactos no processo de gestação, no concepto e no lactente17.

A pesquisa bibliográfica foi efetuada por meio de revisão integrativa de artigos científicos ligados ao tema, nas bases de dados PubMed/Medline, Embase, Scopus, SciELO, além de livros, teses, dissertações, legislação, documentos e normas governamentais, entre outros, sem período definido.

Foram utilizados como descritores: agentes de risco ocupacional, trabalhadora gestante, trabalhadora lactante, radiação ionizante, amamentação e outros, e seus correspondentes em inglês, de acordo com o Descritores em Ciências da Saúde (DeCS)18.

 

RESULTADOS

Foram selecionadas 17 referências, sendo 14 artigos (8 internacionais e 6 nacionais), 2 manuais e 1 entrevista, publicados entre os anos 1985 e 2016. Nos Quadros 2 a 7 a seguir, são apresentados os achados na pesquisa, considerando isoladamente cada ARO aos quais a gestante ou lactante esteja exposta e seu impacto na história da gestação, no concepto e no lactente.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Levando em conta os dados referidos nos quadros correspondentes aos seis ARO considerados no campo de conhecimento da saúde ocupacional podemos observar que:

1. ARO de natureza física (Quadro 2): são referidos impactos no processo da gestação e no concepto; não há referência de impacto no lactente. Entretanto, existem algumas evidências que necessitam ser melhor estudadas sobre o aumento do risco de aborto espontâneo em gestantes expostas a radiações eletromagnéticas36;

2. ARO de natureza química (Quadro 3): as substâncias químicas de uma forma em geral representam ARO que podem afetar tanto a gestação quanto o concepto e o lactente, a curto, médio e longo prazo;

3. ARO de natureza biológica (Quadro 4): foi observado fato semelhante, com a particularidade de poder estar incluída nessa relação a eventualidade de medicalização da gestante ou lactante, o que pode pôr em risco a gestação ou obrigar a suspensão do aleitamento;

4. ARO de natureza biomecânica (Quadro 5): não são relatados impactos no lactente;

5. ARO de natureza psicossocial e organizacional (Quadro 6): habitualmente negligenciado, esse ARO demonstra potencial de impacto não apenas na gestação, mas também no concepto e no lactente;

6. ARO de natureza acidental (Quadro 7): representam potencial de dano principalmente para a gestação e para o concepto; entretanto, a exposição acidental a material biológico potencialmente contaminado, evento frequente entre trabalhadores de serviços de saúde (especialmente o pessoal de enfermagem), pode obrigar (no caso do envolvimento do HIV, p.ex.) a suspensão do aleitamento, evidenciando assim importante impacto no lactente.

 

CONCLUSÕES

O estudo realizado, considerando o estágio atual de conhecimento, demonstra que os ARO de natureza química, biológica, psicossocial e organizacional, e acidental podem pôr em risco a gestação, o concepto e o lactente. Já os ARO de natureza física e biomecânica parecem não representar risco apenas no caso do lactente.

Isso reforça a ideia da necessidade de inclusão na linha de cuidados para a trabalhadora gestante e lactante de procedimento operacional que contenha, no mínimo, os dois fluxogramas preventivos descritos nas Figuras 1 e 2.

 


Figura 1. Fluxograma de avaliação geral de risco.

 

 


Figura 2. Fluxograma para notificação de trabalhadora gestante ou lactante.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 31 de Maio de 2017.
Aceito em 11 de Julho de 2017.

Trabalho realizado no Departamento de Medicina Legal, Ética Médica, Medicina Social e do Trabalho, Instituto Oscar Freire, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) – São Paulo (SP), Brasil.

Fonte de financiamento: nenhuma


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