1142
Visualizações
Acesso aberto Revisado por Pares
ARTIGO DE OPINIÃO

Os biomarcadores como tendência inovadora para auxiliar no diagnóstico de doenças mentais em trabalhadores

Biomarkers as innovative trend for aid in the diagnosis of mental diseases among workers

Sérgio Valverde Marques dos Santos; Rita de Cássia de Marchi Barcellos Dalri; Vanessa Augusto Bardaquim; Maria Lucia do Carmo Cruz Robazzi

DOI: 10.5327/Z1679443520180234

RESUMO

Com as fragilidades dos avanços tecnológicos e as transformações ocorridas no mundo do trabalho no século XXI, os trabalhadores passaram a ser mais exigidos no ambiente laboral, aumentando a sua carga física e psíquica. Tais cargas podem levar ao aumento de doenças relacionadas ao estresse, a quadros ansiosos e depressivos, que podem ser vistas como consequência da interação entre outras variáveis psicossociais e a organização laboral. Uma possibilidade de diagnosticar tais enfermidades é a utilização de biomarcadores específicos, que têm sido utilizados para o diagnóstico de doenças em diversas populações, entre elas a de trabalhadores, resultando em melhores prognósticos. A Cromogranina A pode ser um biomarcador útil para investigar doenças mentais como a ansiedade. Além desse, o cortisol salivar tem sido utilizado para avaliar o funcionamento do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal em alterações da função cognitiva, em situações de estresse, ansiedade e depressão. O cortisol presente nos fios de cabelos também é considerado um biomarcador útil para avaliar o estresse crônico relacionado à depressão e aos episódios depressivos. A prevenção em relação aos riscos psicossociais e o diagnóstico precoce por meio do auxílio dos biomarcadores, junto ao exame clínico e anamnese, podem diminuir o presenteísmo e absenteísmo e promover melhorias na saúde mental dos trabalhadores. O aprofundamento do conhecimento sobre ansiedade, estresse e depressão e o diagnostico com o auxílio os biomarcadores pode contribuir para a melhoria das condições laborais e de saúde dos trabalhadores e, sobretudo, reverter-se na qualidade do trabalho executado por eles.

Palavras-chave: biomarcadores; saúde do trabalhador; ansiedade; estresse psicológico; depressão.

ABSTRACT

Given the weaknesses of technological advances, and the transformations in the world of work occurred in the 21st century, the demands on workers are increasing, with consequent elevation of their physical and psychological load. Such higher load might increase the frequency of stress-related diseases, anxiety and depression disorders, which might be seen as a consequence of the interaction between other psychosocial variables and the organization of work. An approach to the diagnosis of these diseases involves the use of specific biomarkers, which have been used for diagnosis of diseases in several populations, including workers, resulting in better prognosis. Chromogranin A might be a useful biomarker for investigation of mental diseases such as anxiety. The salivary cortisol has been used to assess the functioning of the hypothalamic-pituitary-adrenal axis in cases of cognitive dysfunction, stress, anxiety and depression. Hair cortisol is considered a useful biomarker for assessment of chronic stress associated with depression and depressive episodes. Prevention of psychosocial hazards and early diagnosis with the help of biomarkers in combination with the clinical interview and examination might reduce presenteeism and absenteeism, and promote improvement of the mental health of workers. More thorough knowledge on anxiety, stress and depression, and diagnosis with the help of biomarkers might contribute to improve the working and health conditions of workers, with reflection on the quality of the work they perform.

Keywords: biomarkers; occupational health; anxiety; psychological stress; depression.

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, a sociedade brasileira tem buscado avanços na saúde do trabalhador por meio de políticas públicas, que incluem desde ações assistenciais e de promoção à saúde, como de prevenção e vigilância dos agravos à saúde provocados pelo trabalho. Contudo, tais avanços ainda são frágeis para possibilitar melhores indicadores nacionais devido aos diversos obstáculos encontrados para a solidificação dos programas e ações voltadas à saúde dos trabalhadores1.

Com as fragilidades desses avanços e as transformações ocorridas no mundo do trabalho no século XXI, os trabalhadores passaram a ser mais exigidos no ambiente laboral e, consequentemente, aumentaram a sua carga física e psicológica2. Os fatores psicossociais e a organização do trabalho têm um impacto significativo sobre a saúde de quem o exerce, no seu bem-estar e na sua qualidade de vida3.

Riscos psicossociais são entendidos como todos os fatores ou agentes de risco presentes no ambiente de trabalho que podem gerar prejuízos à saúde mental/psíquica do trabalhador e estão associados às tensões da vida diária, dentre elas as provenientes do trabalho4. Relacionam-se com a forma como o trabalho é concebido, organizado e comandado, podendo levar a alterações da saúde físicas e/ou mentais do trabalhador5, contribuindo com um maior nível de estresse.

Dentre as alterações psicossociais mais referidas entre trabalhadores, destacam-se o estresse, a ansiedade e a depressão, que podem ser vistas como consequência da interação entre outras variáveis psicossociais e a organização laboral, bem como causa de incapacidade para o trabalho6.

Tais doenças podem ser diagnosticadas de acordo com os sintomas que se apresentam no individuo, medidas por meio de escalas ou inventários, na maioria das vezes do tipo likert, e utilizadas, com frequência, em pesquisas para avaliar populações7. Outra possibilidade de diagnosticar tais doenças é com a utilização de biomarcadores específicos.

Biomarcadores podem ser compreendidos como substâncias ou seus produtos biologicamente transformados (sangue, saliva, cabelo, urina, fezes), bem como qualquer alteração bioquímica precoce cuja determinação nos fluidos biológicos, tecidos ou ar exalado avalie a intensidade da exposição e o risco à saúde8. Consistem em testes preditores para diagnósticos de algumas patologias como, por exemplo, os cânceres de intestino e fígado e as doenças mentais. O seu emprego pode ser compreendido como uma estratégia de busca e vigilância em saúde9.

Eles têm sido utilizados para diagnosticar doenças em diversas populações e, entre elas, a de trabalhadores. Essa forma de rastreamento pode resultar em melhores prognósticos, visto que a atividade laboral é capaz de adoecer o indivíduo que a exerce10. Dessa forma, o trabalhador pode comprovar o seu adoecimento mental por meio da utilização de biomarcadores nas perícias médicas, podendo assim evitar/minimizar os eventos de presenteísmo, absenteísmo e queda da produtividade no trabalho.

Nesse sentido, cabe mencionar que o uso dos biomarcadores não exclui a necessidade da avaliação clínica e da anamnese do paciente, sendo essas avaliações fundamentais e importantes para o diagnóstico. O biomarcador pode ser utilizado como um método auxiliar para comprovar o diagnóstico e ajudar no prognóstico da doença mental de forma a se correlacionar com os fatores investigados na avaliação clínica e na anamnese do indivíduo. Essas devem ser realizadas de forma detalhada, buscando avaliar os fatores estressores de natureza psíquica, social e ocupacional para um diagnóstico preciso e baseado na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho, uma vez que os transtornos mentais fazem parte do Grupo V da Classificação Internacional das Doenças (CID-10). Nos últimos anos, pesquisas utilizando os biomarcadores como método de investigação de doenças mentais se se solidificaram como um indicador inovador de grande potencial para identificação e diagnóstico em todo o mundo11. Pesquisas atuais demonstram a efetividade dos biomarcadores para avaliação dos riscos psicossociais relacionados à saúde ocupacional12-14. Com isso, tendem a ser uma tendência inovadora, segura e eficaz para o diagnóstico de doenças mentais entre os trabalhadores e as demais populações. Assim, podem promover diagnósticos mais rápidos e melhores prognósticos aos trabalhadores acometidos por doenças mentais, proporcionando melhores condições laborais e de vida. Esse artigo teve como objetivo apresentar algumas das doenças mentais mais diagnosticadas nos trabalhadores como a ansiedade, o estresse e a depressão, bem como alguns dos biomarcadores que têm sido utilizados para auxiliar nos seus diagnósticos. Além disso, pretende-se apresentar algumas evidencias científicas que comprovam a eficácia dos biomarcadores.

 

MÉTODOS

Trata-se de um ensaio teórico e de opinião acerca da utilização dos biomarcadores para auxiliar no diagnóstico de doenças mentais em trabalhadores. O ensaio teórico possui como base a apresentação lógica e reflexiva, com arguição minuciosa, além de um nível elevado de interpretação e crítica pessoal15. Esse estudo foi elaborado com base nas avaliações e percepções críticas e minuciosas dos autores sobre a temática, com apoio de literaturas nacionais e internacionais relacionadas ao uso de biomarcadores para o diagnóstico de doenças mentais.

Não houve necessidade de apreciação desse estudo por um Comitê de Ética em Pesquisa, por se tratar de estudo teórico e de opinião.

Foram elaborados pontos norteadores para apresentar os biomarcadores estudados nessa pesquisa. Para a criação desses pontos, observou-se e refletiu-se sobre os principais biomarcadores discutidos na literatura, bem como as principais doenças mentais que afetam os trabalhadores com base nas significâncias dos resultados e correlações entre os determinantes avaliados (Cromogranina A × ansiedade; cortisol salivar × estresse; cortisol capilar × depressão).

Os pontos de reflexão criados foram: a Cromogranina A (CgA) como biomarcador para a ansiedade, o cortisol salivar como biomarcador para o estresse e o cortisol capilar como biomarcador para a depressão.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A CROMOGRANINA A COMO BIOMARCADOR PARA A ANSIEDADE

A ansiedade patológica é vista como um problema psiquiátrico que pode ser definido como um estado de apreensão desagradável, vago, acompanhado de sensações como o vazio no estômago, opressão no peito, palpitações, aumento dos batimentos cardíacos, tremores, sintomas decorrentes da ativação do sistema simpático ou um sentimento de insegurança causado pela expectativa de algum perigode fonte incerta, desconhecida16.

O transtorno de ansiedade afeta indivíduos do mundo inteiro. É classificada, mundialmente, como a sexta maior causa de perda de saúde. Em 2015, 264 milhões de pessoas viviam com transtornos de ansiedade no mundo. As Américas foram consideradas a terceira região com maior número de casos, onde 21% da população mundial vivia com a doença17. Esse transtorno está entre as doenças psíquicas de maior prevalência entre alguns trabalhadores. É determinada como um estado psíquico-emocional capaz de causar perturbações fisiológicas, emocionais e de convivência, podendo provocar a incapacidade quando atinge níveis mais altos. Esses desequilíbrios podem acontecer devido às pressões e aos fatores de estresse provenientes do ambiente de trabalho18.

A ansiedade pode ser caracterizada como uma emoção de apreensão, compreendida pela consciência e pelo sistema nervoso autônomo. Logo, entende-se que altos níveis de ansiedade podem comprometer a aprendizagem e o desempenho profissional19. Pode ser diagnosticada de acordo com os sintomas, por meio de escalas ou inventários7. Além disso, outra forma utilizada tem sido por meio de biomarcadores salivares. A saliva é vista como uma forma de diagnóstico favorável, pois sua coleta não é invasiva e não coloca a pessoa em risco20.

A saliva é composta de 98% de água, sendo o restante de sua composição formada por eletrólitos, mucopolissacarídeos, glicoproteínas, substâncias antissépticas e enzimas. Dentre as glicoproteínas presentes na saliva encontra-se a Cromogranina A, segregada e armazenada por exocitose das vesículas na medula suprarrenal e nos nervos simpáticos com as catecolaminas21,22.

A CgA é também denominada secretogranina I e compõe um grupo de proteínas presentes em diversos tecidos neuroendócrinos. Essa proteína é abundante em células endócrinas que secretam hormônios peptídicos das vesículas de armazenamento e atua na secreção neuroendócrina por meio da ligação de cálcio intravesicular23. Essa substância tem chamado bastante atenção como um biomarcador salivar, tanto em pessoas saudáveis como em pacientes com doenças crônicas. Possui como principal vantagem a sua durabilidade. O intervalo entre o período de um estímulo mental e o pico salivar da CgA é pequeno. Além desse fator, pode continuar elevada na saliva por até 60 minutos depois do estímulo, na fase de recuperação. Dessa forma, pode-se afirmar que a CgA salivar pode ser um biomarcador útil para investigar doenças mentais24.

Um estudo realizado com alunos de enfermagem no Japão apontou associação do aumento dos níveis de CgA em situações estressantes, principalmente sintomas de ansiedade ao realizarem avaliações25. Outro estudo evidenciou que a CgA salivar pode aumentar durante as tarefas de carga estressoras, demonstrando sua possível candidatura como biomarcador de carga mental, como o estresse e a ansiedade26. Uma investigação sobre o aumento do estado de ansiedade ao dirigir veículos demonstrou uma correlação positiva com o aumento de seus níveis27.

Nota-se, portanto, que a CgA pode ser utilizada para auxiliar no diagnóstico de doenças ou sintomas mentais, entre elas a ansiedade. No entanto, cabe enfatizar que o exame clínico e a anamnese do paciente são fundamentais e importantes para correlacionar com a alteração desse biomarcador, para obter um excelente diagnóstico. Nesse sentido, afirma-se a necessidade de mais investigações direcionadas ao adoecimento mental dos trabalhadores e sua relação com a CgA.

O CORTISOL SALIVAR COMO BIOMARCADOR PARA O ESTRESSE

O estresse constitui um risco ocupacional para os trabalhadores, daí a relevância de ser reconhecido precocemente.

A expressão estresse é empregada como uma resposta do organismo a qualquer tipo de estímulo, seja ele bom, ruim ou imaginário e que altere o equilíbrio do corpo. Por isso, está diretamente relacionado a homeostase, pois modifica o estado de equilíbrio dos sistemas corporais entre si e do organismo com o meio ambiente. O estresse é considerado, ainda, como um processo biopsicossocial pois, para ocorrer, depende de caraterísticas pessoais e ambientais28. Tanto para eventos positivos como para os negativos, a resposta do organismo será a mesma.

Programas voltados ao seu manejo devem ser elaborados além das planejadas intervenções com o objetivo de extinguir ou minimizar agentes estressores do ambiente, focadas no indivíduo e que visem reduzir o impacto dos riscos já existentes por meio do desenvolvimento de um adequado repertório de estratégias de enfrentamento individuais29.

Os mediadores de estresse incluem, principalmente, esteróides produzidos pelas glândulas suprarrenais e as catecolaminas (adrenalina e noradrenalina), além de outros hormônios como a dihidroepiandrosterona (DHEA), a prolactina, o hormônio do crescimento (GH) e as citocinas com atividade imune30.

A resposta a um estressor é muitas vezes considerada como uma reação de luta ou fuga porque, levada ao extremo, prepara o organismo para essas duas eventualidades. Durante essa reação, o organismo acelera a respiração e a frequência cardíaca para aumentar o fluxo de oxigênio até os músculos principais; induz vasoconstrição na pele para diminuir o sangramento em caso de ferimento; e as glândulas mobilizam os reservatórios de carboidratos no fígado e nos músculos aumentando o nível de glicose no sangue para oferecer combustível suficiente ao esforço, além de reforçar o sistema imunológico para a defesa31.

O estresse no trabalho é um fenômeno que se apresenta no organismo do trabalhador e que, por esse motivo, pode afetar sua saúde. Os principais fatores geradores de estresse presentes no meio ambiente de trabalho envolvem os aspectos da organização, administração e sistema de trabalho e da qualidade das relações humanas32.

Quando se trata de estresse, há dois aspectos essenciais, ou seja, a situação que pode desencadeá-lo (estímulo estressor) e o retorno do indivíduo diante do estímulo (resposta ou o processo de estresse). Se tal resposta for negativa, desencadeando um processo adaptativo inadequado e podendo gerar enfermidades, é chamada distress e, se a pessoa reage bem à demanda, eustress33.

O estresse ativa o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), que resulta na elevação dos níveis de glicocorticoides circulantes. A exposição ao estressor ativa os neurônios do núcleo paraventricular do hipotálamo que secretam hormônios liberadores, como de corticotrofina (corticotropin-releasing hormone – CRH), secretado nos terminais de neurônios hipotalâmicos próximos da circulação porta da eminência média da hipófise mas pode, também, exercer seus efeitos em várias outras áreas como amígdala, hipocampo e locus coeruleus. Esse hormônio vai agir na hipófise anterior promovendo a liberação do hormônio adrenocorticotrófico (adrenocorticotropic hormone – ACTH) que, por sua vez, vai atuar no córtex da glândula adrenal iniciando a síntese e liberação de glicocorticóides como, por exemplo, do cortisol em humanos. O pico dos níveis plasmáticos de glicocorticóides ocorre dezenas de minutos após o início do estresse34,35.

O cortisol é um hormônio glicocorticóide primário, sintetizado a partir do colesterol pelo córtex supra-renal sob ação do ACTH. É sinônimo de hidrocortisona, cuja fisiologia é 11-ß,17-a,21-triidroxi-4-pregnen-3,20-diona, fórmula molecular =C21H30O5 e massa molecular =362,466 g/mol. É essencial à vida, regulando o metabolismo de carboidratos, proteínas e lípides. Além disso, mantém normal a pressão arterial e funciona como inibidor de reações alérgicas e inflamatórias36.

Há quatro métodos distintos utilizados para testar os níveis de cortisol (sangue, saliva, urina e capilar). A coleta das amostras para dosagem de cortisol na saliva não é invasiva nem cara, além disso, é fácil de ser realizada37.

A dosagem do cortisol salivar avalia o funcionamento do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal em alterações da função cognitiva, em situações de estresse, ansiedade, depressão, síndrome do pânico, na avaliação da privação de sono em pacientes trabalhadores noturnos e naqueles com fadiga crônica38.

Um estudo realizado com enfermeiras hospitalares em Cingapura, que avaliou e comparou a autopercepção do estresse ocupacional e os níveis de cortisol salivar, demonstrou que as enfermeiras de emergência apresentaram os níveis de estresse ocupacional mais elevados e que os níveis de cortisol matutinos estavam correlacionados ao estresse ocupacional39. Outra investigação que analisou a presença do cortisol como resultado de alterações emocionais, causadas por exposição aos agentes estressores, demonstrou que a presença de cortisol apresenta relação com o estresse40. Uma pesquisa realizada no Japão examinou os efeitos da tensão psicossocial do trabalho sobre a excreção de hormônios do estresse neuroendócrino (adrenalina, noradrenalina e cortisol) e evidenciou que a concentração de cortisol salivar foi significativamente menor no grupo de alta tensão. Os baixos níveis de cortisol do grupo de alta tensão podem indicar distúrbio do ritmo circadiano induzido por estresse no trabalho41.

Dessa forma, o estudo do cortisol como auxiliar nas pesquisas sobre estresse vem chamando a atenção dos estudiosos interessados em aprofundar tais investigações visando o controle dos efeitos do estresse não só na qualidade de vida dos indivíduos, como também no rendimento e eficiência dos trabalhadores em geral.

O CORTISOL CAPILAR COMO BIOMARCADOR PARA A DEPRESSÃO

A depressão atinge mais de 350 milhões de pessoas, sendo uma das principais causas de incapacidade em todo o mundo42. Pode ser desencadeada por diversos fatores como a perda de um ente querido, término de relações, dificuldades financeiras, longas jornadas de trabalho, pressões, competitividade e estresse43.

No entanto, os aspectos biológicos relacionados à depressão são iguais e independentes do sexo. São caracterizados por períodos de melancolia, ansiedade, emagrecimento, baixa autoestima, ideias de culpa, falhas na liberação de neurotransmissores e consequentemente a redução da função das estruturas anatômicas44.

Na área da saúde ocupacional, sabe-se que trabalhar longas horas está associado ao estado depressivo, ansiedade, insônia e doenças cardíacas45. As condições de trabalho se constituem em um importante determinante dos distúrbios mentais e de bem-estar psicológico, particularmente a depressão46. No Brasil, quase 30% de trabalhadores de enfermagem de Unidades de Terapia Intensiva apresentaram níveis de depressão e as características associadas a esse transtorno foram: trabalhar no turno da noite, trabalhar em turnos dobrados e a condição de estar separados ou divorciados47.

O eixo hipotálamo-pituitária-adrena (HPA) exerce um papel fundamental na resposta aos estímulos externos e internos, incluindo os estressores psicológicos. A hiperatividade do eixo HPA na depressão maior é um achado consistente. Pacientes com depressão maior apresentam concentrações aumentadas de cortisol no plasma, na urina e no liquido cerebrospinal (LCR); resposta exagerada de cortisol após estimulação com hormônio adrenocortitrópico e aumento tanto da pituitária como das glândulas adrenais48.

Em relação aos biomarcadores em longo prazo, a atividade do eixo HPA pode sofrer alterações e o cortisol presente nos fios de cabelos (CORT) é considerado um biomarcador para o estresse crônico49. Pesquisadores sugerem que o CORT pode ser o melhor marcador biológico para avaliar o estresse crônico, pois não necessita de medidas repetidas, reduzindo os gastos com outros reagentes bioquímicos50.

Recentes estudos relacionados ao estresse mostram o interesse e a ascensão em medir o CORT13. No entanto, diferentes grupos de pesquisas têm usado distintos métodos para analisá-lo dificultando, assim, a comparação e a padronização dos resultados51.

O ambiente de trabalho pode ser considerado um importante fator estressor psicossocial e têm sido associados com a liberação demasiada de cortisol, diminuição da função imunológica e aumento da susceptibilidade a infecções e neoplasias52. Assim, um estudo feito com profissionais de enfermagem verificou padrões atípicos de secreção de cortisol e do estresse crônico relacionado ao trabalho53.

Pesquisas concluíram que o CORT apresentou qualidades importantes para avaliação em larga escala (3.507 participantes), confirmando que tanto os estados de saúde mental quanto os físicos estão relacionados a esse biomarcador. Na depressão maior, os níveis de CORT estavam aumentados13,14. Esse estudo pode sugerir novas oportunidades para prevenir e tratar a depressão visando a possíveis diagnósticos por meio do cortisol medido no cabelo.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A prevenção em relação aos riscos psicossociais e o diagnóstico precoce com o auxílio dos biomarcadores podem diminuir o presenteísmo e absenteísmo e promover melhorias na saúde mental dos trabalhadores.

Assim, o aprofundamento do conhecimento sobre a ansiedade, o estresse e a depressão pode contribuir para a melhoria das condições laborais e de saúde dos trabalhadores e, sobretudo, reverter-se na qualidade do trabalho executado por eles. Vários estudos têm demonstrado que diferentes biomarcadores podem ser utilizados para a avalição dessas doenças entre trabalhadores de diversificadas áreas.

A identificação dos fatores agressores e de adoecimento mental no trabalho podem ser consideradas agente de mudanças. Essa identificação pode ser feita com o auxílio dos biomarcadores, junto com a avaliação clínica e a anamnese do paciente. Uma vez identificados tais fatores, os trabalhadores e gestores poderão discuti-los e propor possíveis soluções para minimizar seus efeitos, tornando o cotidiano dos trabalhadores mais produtivo e menos desgastante, valorizando-os no que se refere aos aspectos humanos e profissionais.

 

REFERÊNCIAS

1. Lacaz FAC. Política Nacional de Saúde do Trabalhador: desafios e dificuldades. In: Lourenço E, Navarro V, Silva J, Sant´ana R (Eds.). O avesso do trabalho II: trabalho, precarização e saúde do trabalhador. São Paulo: Expressão Popular; 2010. p.199-230.

2. Kamimura QP, Tavares RSCR. Acidentes do Trabalho Relacionados a Transtornos Psicológicos Ocupacionais. Rev Gestão Sist Saúde. 2012;1(2):140-56. http://doi.org/10.5585/rgss.v1i2.27

3. Theme Filha MM, Costa MAS, Guilam MCR. Estresse ocupacional e autoavaliação de saúde entre profissionais de enfermagem. Rev Latino-Am Enf. 2013;21(2):1-9.

4. Caran VCS. Riscos psicossociais e assédio moral no contexto acadêmico [dissertação de mestrado]. Ribeirão Preto: Universidade de São Paulo; 2007.

5. Matos SS. Riscos Psicossociais em Trabalhadores na Arábia Saudita [dissertação de mestrado]. Setúbal: Escola Superior de Ciências Empresariais; 2014.

6. Serafim AC, Campos ICM, Cruz RM, Rabuske MM. Riscos psicossociais e incapacidade do servidor público: um estudo de caso. Psicol Ciênc Prof. 2012;32(3):686-705. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98932012000300013

7. Cunha JA. Manual da versão em português das Escalas de Beck. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2001.

8. World Health Organization. Biological Monitoring of Chemical Exposure in the Workplace. Geneva: World Health Organization; 1996.

9. Soreide K, Watson MM, Lea D, Nordgard O, Soreide JA, Hagland HR. Assessment of clinically related outcomes and biomarker analysis for translational integration in colorectal cancer (ACROBATICC): study protocol for a population-based, consecutive cohort of surgically treated colorectal cancers and resected colorectal liver metastasis. J Transl Medic. 2016;14(1):192. https://doi.org/10.1186/s12967-016-0951-4

10. Maschirow L, Khalaf K, Al-Aubaidy HA, Jelinek HF. Inflammation, coagulation, endothelial dysfunction and oxidative stress in prediabetes - Biomarkers as a possible tool for early disease detection for rural screening. Clin Biochem. 2015;48(9):581-5. https://doi.org/10.1016/j.clinbiochem.2015.02.015

11. Wang H, Zhang H, Deng P, Liu C, Li D, Jie H, et al. Tissue metabolic profiling of human gastric cancer assessed by 1H NMR. BMC Cancer. 2016;16(371):2-12. https://doi.org/10.1186/s12885-016-2356-4

12. Noto Y, Kudo M, Hirota K. Back massage therapy promotes psychological relaxation and an increase in salivary chromogranin A release. J Anesth. 2010;24:955-8. https://doi.org/10.1007/s00540-010-1001-7

13. Abell JG, Stalder T, Ferrie JE, Shipley MJ, Kirschbaum C, Kivimäki M, et al. Assessing cortisol from hair samples in a large observational cohort: The Whitehall II study. Psychoneuroendocrinology. 2016;73:148-56. https://doi.org/10.1016/j.psyneuen.2016.07.214

14. Staufenbiel SM, Penninx BW, Spijker AT, Elzinga BM, Van Rossum EF. Hair cortisol, stress exposure, and mental health in humans: A systematic review. Psychoneuroendocrinology. 2013;38(8):1220- 35. https://doi.org/10.1016/j.psyneuen.2012.11.015

15. Severino AJ. Metodologia do trabalho científico. 22ª ed. São Paulo: Cortez; 2002.

16. Graeff FG, Brandão ML. Neurobiologia das doenças mentais. 5ª ed. São Paulo: Lemos; 1999.

17. World Health Organization. Depression and Other Common Mental Disorders: Global Health Estimates. Geneva: World Health Organization; 2017.

18. Vieira TG, Beck CLC, Dissen CM, Camponogara S, Gobatto M, Coelho APF. Adoecimento e uso de medicamentos psicoativos entre trabalhadores de enfermagem de unidades de terapia intensiva. Rev Enf UFSM. 2013;3(2):205-14. http://dx.doi.org/10.5902/217976927538

19. Carvalho R, Farah OGD, Galdeano LE. Níveis de ansiedade de alunos de graduação em enfermagem frente à primeira instrumentação cirúrgica. Rev Latino-Am Enferm. 2004;12(6):918-23. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692004000600011

20. Yeh CK, Christodoulides NJ, Floriano PN, Miller CS, Ebersole JL, Weigum SE, et al. Current development of saliva/oral fluid-based diagnostics. Text Dent J. 2010;127(7):651-61.

21. Pink R, Simek J, Vondrakova J, Faber E, Michl P, Pazdera J, et al. Saliva as a diagnostic medium. Biomed Pap Med Fac Univ Palacky Olomouc Czech Repub. 2009;153(2):103-10.

22. McVicar AJ, Greenwood CR, Fewell F, D’Arcy V, Chandrasekharan S, Alldridge LC. Evaluation of anxiety, salivary cortisol and melatonin secretion following reflexology treatment: A pilot study in healthy individuals. Complement Ther Clin Pract. 2007;13:137-45. https://doi.org/10.1016/j.ctcp.2006.11.001

23. Almeida JRC. Farmacêuticos em oncologia: uma nova realidade. São Paulo: Atheneu; 2004.

24. Obayashi K. Salivary mental stress proteins. Clin Chimica Acta. 2013;425:96-201. https://doi.org/10.1016/j.cca.2013.07.028

25. Takatsuji K, Sugimoto Y, Ishizaki S, Ozaki Y, Matsuyama E, Yamaguchi Y. The effects of examination stress on salivary cortisol, immunoglobulin A, chromogranin A nursing students. Biomed Res. 2008;29(4):221-4.

26. Yoto A, Murao S, Nakamura Y, Yokogoshi H. Intake of green tea inhibited increase of salivary chromogranin A after mental task stress loads. J Phys Ant. 2014;33:20. https://doi.org/10.1186/1880-6805-33-20

27. Wagner J, Cik M, Marth E, Santner BI, Gallasch E, Lackner A, et al. Feasibility of testing three salivary stress biomarkers in relation to naturalistic traffic noise exposure. Int J Hyg Environ Health. 2010;213(2):153-5. https://doi.org/10.1016/j.ijheh.2009.08.004

28. Selye H. The stress of life. Nova York: McGraw-Hill; 1956.

29. Dalri RCMB. Carga horária de trabalho dos enfermeiros de emergência e sua relação com estresse e cortisol salivar [tese de doutorado]. Ribeirão Preto: Universidade de São Paulo; 2013.

30. Mcewen BS, Lasley EN. O fim do estresse como nós o conhecemos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 2003.

31. Cannon WB. The wisdom of the body. Nova York: W.W. Norton; 1932.

32. Organização Internacional do Trabalho. Factores psicosociales en el trabajo. Genebra: Oficina Internacional del Trabajo; 1986.

33. França ACL, Rodrigues AV. Stress e trabalho: uma abordagem psicossomática. 4ª ed. São Paulo: Atlas; 2012.

34. Johnson EO, Kamilaris TC, Chrousos GP, Gold PW. Mechanisms of stress: a dynamic overview of hormonal and behavioral homeostasis. Neurosci Biobehav Rev. 1992;16(2):115-30.

35. Ulrich-Lai YM, Herman J. Neural regulation of endocrine and autonomic stress response. Nat Rev Neurosci. 2009;10:307-409. https://doi.org/10.1038/nrn2647

36. Araújo MR. A influência do treinamento de força e do treinamento aeróbio sobre as concentrações hormonais de testosterona e cortisol. Motri. 2008;4(2):67-75.

37. Schmidt NA. Salivary cortisol testing in children. Issues Compr Pediatr Nurs. 1997;20(3):183-90.

38. Castro M, Moreira AC. Análise crítica do cortisol salivar na avaliação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. Arq Bras Endocrinol Metab. 2003;47(4):358-67. http://dx.doi.org/10.1590/S0004-27302003000400008

39. Yang Y, Koh D, Ng V, Lee FC, Chan G, Dong F, et al. Salivary Cortisol Levels and Work-Related Stress Among Emergency Department Nurses. J Occup Environ Med. 2001;43:1011-8.

40. Nejtek VA. High and low emotion events influence emotional stress perceptions and are associated with salivary cortisol response changes in a consecutive stress paradigm. Psychoneuroendocrinology. 2002;27(3):337-52.

41. Fujiwara K, Tsukishima E, Kasai S, Masuchi A, Tsutsumi A, Kawakami N, et al. Urinary catecholamines and salivary cortisol on workdays and days off in relation to job strain among female health care providers. Scand J Work Environ Health. 2004;30(2):129-38.

42. World Health Organization. Depression. Nº 369. World Health Organization; 2012.

43. Cruz Junior AJ. Questões/problemas em perícias médicas nos casos de depressão. Rev Hosp Univ Pedro Ernesto. 2011;10(2).

44. Coutinho MEM, Giovanini M, Pavini LS, Ventura MT, Elias RM, Silva LM. Aspectos biológicos e psicossociais da depressão relacionado ao gênero feminino. Rev Bras Neurol Psiquiatr. 2015;19(1):49-57.

45. Bannai A, Tamakoshi A. The association between long working hours and health: A systematic review of epidemiological evidence. Scand J Work Environ Health. 2014;40(1):5-18. https://doi.org/10.5271/sjweh.3388

46. Muntaner C, Li Y, Xue X, Thompson T, O’Campo P, Chung H, et al. County level socioeconomic position, work organization and depression disorder: A repeated measures cross-classified multilevel analysis of low-income nursing home workers. Health Place. 2006;12:688-700. https://doi.org/10.1016/j.healthplace.2005.09.004

47. Vargas D, Dias APV. Prevalência de depressão nos cuidados intensivos trabalhadores de enfermagem da unidade: um estudo em hospitais em uma cidade do noroeste do Estado de São Paulo. Rev Lat-Am Enf. 2011;19(5):1-9.

48. Juruena MF, Cleare AJE, Pariante CM. O eixo hipotálamo-pituitáriaadrenal, a função dos receptores de glicocorticóides e sua importância na depressão. Rev Bras Pisquiatr. 2004;26(3):189-201. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462004000300009

49. O’Brien KM, Tronick EZ, Moore CL. Relationship between Hair Cortisol and Perceived Chronic Stress in a Diverse Sample. Stress Health. 2013;29(4):337-44. https://doi.org/10.1002/smi.2475

50. Russell E, Koren G, Rieder M, Van Uum S. Hair cortisol as a biological marker of chronic stress: current status, future directions and unanswered questions. Psychoneuroendocrinology. 2012;37(5):589- 601. https://doi.org/10.1016/j.psyneuen.2011.09.009

51. Albar WF, Russell EW, Koren G, Rieder MJ, Van Umm SH. Human hair cortisol analysis: comparison of the internationally-reported ELISA methods. Clin Invest Med. 2013;36(6):E312-6.

52. Amorim MAP, Siqueira KZ. Relação entre vivência de fatores estressantes e surgimento de câncer de mama. Psicol Argum. 2014;32(79):143-53. http://dx.doi.org/10.7213/psicol.argum.32.079.AO09

53. Yamaguti STF, Mendonça ARB, Coelho D, Machado AL, Souza- Talarico JN. Padrão atípico de secreção de cortisol em profissionais de Enfermagem. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(n. Esp.):109-16. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420150000700016

Recebido em 18 de Fevereiro de 2018.
Aceito em 27 de Agosto de 2018.

Fonte de financiamento: nenhuma


© 2024 Todos os Direitos Reservados