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ARTIGOS ORIGINAIS

Discussão dos impactos do nexo técnico epidemiológico previdenciário

Discussion about use of Brazilian social security tool to characterize work-related disability

João Silvestre da Silva-Junior1,2; Flávia Souza e Silva de Almeida2; Luiz Carlos Morrone3

RESUMO

CONTEXTO: A partir de 2007 foi implantado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) o nexo técnico epidemiológico previdenciário (NTEP). Sua aplicação aumentou em 152% a notificação dos benefícios auxílio-doença como sendo de espécie acidentária. Justifica-se o estudo por ser uma nova ferramenta que impacta diretamente nas relações presentes no campo da Saúde do Trabalhador.
OBJETIVO: Discutir a aplicação da ferramenta pelo INSS e possíveis melhorias na sua aplicação pelo seu impacto social.
MATERIAIS E MÉTODOS: Selecionados 304 laudos médico-periciais emitidos em uma Agência da Previdência Social da cidade de São Paulo, entre outubro/2008–março/2010, que deram origem a benefícios auxílio-doença acidentário por aplicação do NTEP. Correlacionou-se diagnóstico fixado pelo Perito Médico e ocupação descrita no laudo, padronizados pela Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – 10ª revisão (CID10), e pela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), respectivamente.
RESULTADOS: Foram estabelecidos 186 nexos técnicos epidemiológicos previdenciários. Os diagnósticos mais frequentes foram distúrbios osteomusculares e as ocupações mais frequentes foram as relacionadas ao setor de serviços (terciário).
CONCLUSÕES: A aplicação do NTEP, aparentemente, causou uma mudança importante na epidemiologia na direção do aumento da diversificação dos agravos à saúde considerados ocupacionais. Impactos na rotina dos Médicos do Trabalho, dos Peritos Médicos Previdenciários, além dos trabalhadores, são evidenciados. Recomenda-se revisão da base estatística do NTEP; investimento do INSS em capacitação para seu quadro de Peritos Médicos; uso da Classificação Brasileira de Ocupações como variável nas avaliações periciais; e a sistematização das vistorias dos ambientes de trabalho pelos Peritos Médicos Previdenciários para análise da consistência de etiologia causal sugeridas pelo NTEP.

Palavras-chave: Previdência Social; saúde do trabalhador; doenças ocupacionais; medicina do trabalho.

ABSTRACT

BACKGROUND: In 2007 it was implemented by the Brazilian Social Security Institute (INSS) an epidemiologic tool to characterize work-related disability (NTEP). Its application has increased 152% the notification of work-related accidents and occupational diseases benefit. It's necessary to study this new tool that directly impacts the relations present in the field of Occupational Health.
OBJECTIVES: Discuss the application of the NTEP by the INSS and possible improvements in its application.
METHODS: Three hundred four medical expert reports were selected issued at a Social Security Agency in São Paulo city, between october/2008–march/2010, which resulted in work-related accidents or occupational diseases benefit by applying the NTEP. Correlated diagnosis established by medical expert and occupation described in the report, standardized by the ICD 10 and by the Brazilian Classification of Occupations (CBO), respectively.
RESULTS: About 186 causal relationships were established by NTEP. The most frequent diagnoses were musculoskeletal disorders and most frequent occupations were related with service sector (tertiary).
CONCLUSIONS: The application of NTEP apparently caused changes in the epidemiology and increased diversification of work related diseases. Impacts were observed on Occupational Physicians and Social Security Physicians routines and to workers. It is recommended revision of the statistical basis of the technical nexus; INSS investment in training for its staff of Medical Experts; use the Brazilian Classification of Occupations as a variable in an expert evaluation; and systematic inspection of the workplace by the Social Security Medical Experts to evaluate the consistency causal etiology suggested by tool.

Keywords: Social Security; occupational health; occupational diseases; occupational medicine.

CONTEXTO

A Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador (PNSST) foi proposta pelo Governo Federal a partir de 2005, e dentre as suas estratégias destacam-se: a necessidade de padronizar os conceitos e critérios quanto à concepção e caracterização de riscos e agravos à segurança e saúde dos trabalhadores relacionados aos processos de trabalho; e instituir a concepção do nexo epidemiológico presumido para acidentes e doenças relacionadas ao trabalho1.

Para criar o perfil de adoecimento dos trabalhadores brasileiros distinguem-se dois grupos de doenças: sem nenhuma relação com o trabalho e as relacionadas ao trabalho. Dessas últimas, fazem parte aquelas cujo aumento na frequência ou o início das manifestações são decorrentes do trabalho; as que apresentam um sinergismo com as condições provocadoras ou desencadeadoras em decorrência do trabalho; e os agravos específicos caracterizados como acidentes de trabalho e doenças profissionais2.

No âmbito da Saúde do Trabalhador é recorrente o uso da classificação de Schilling para configurar esta relação. Nas doenças consideradas de etiologia múltipla, ou de causa multifatorial, o trabalho pode ser entendido como um fator contributivo no adoecimento (Schilling II) ou agravador de um distúrbio latente (Schilling III). Ou seja, a exposição ocupacional aumenta a probabilidade da ocorrência de uma doença, mas não é, necessariamente, o fator causal3. Para estabelecer o nexo causal, ou caracterização etiológica, torna-se fundamental o uso de ferramentas epidemiológicas, em especial a observação de um excesso de frequência de adoecimento em determinados grupos ocupacionais ou profissões3.

Quando o agente causador do adoecimento é relacionado ao trabalho torna-se obrigatória a emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), mesmo por presunção4. Esta deve ser cadastrada no Ministério da Previdência Social, estabelecendo-se o nexo técnico presumido5. São notificados pela CAT não apenas os acidentes-típicos (ocorridos durante o horário de exercício da atividade), mas também os de trajeto (ocorridos entre o percurso de casa para o trabalho e vice-versa) e as doenças ocupacionais6.

O banco de dados da Previdência Social vem mostrando uma acentuada redução da incidência de acidentes de trabalho no Brasil nas últimas décadas. Porém, é pouco provável que seja somente a consequência de respostas a ações de prevenção postas em prática pelas empresas ou agências governamentais responsáveis6. Autores destacam que está enraizada na sociedade brasileira a sonegação de notificação, demarcada por aspectos políticos, econômicos, jurídicos e sociais7. Portanto, a CAT não é uma fonte de dados fidedigna.

Para fins previdenciários os trabalhadores com vínculo formal são segurados obrigatórios no Regime Geral da Previdência Social. Quando acometidos por doença incapacitante para o trabalho, por prazo acima de quinze dias, fazem jus ao benefício auxílio-doença. Caso o agravo decorra de acidente ou doença relacionados ao trabalho a espécie do benefício será considerada acidentária8.

A caracterização da espécie de benefício é função da Perícia Médica Previdenciária, que deve analisar se há relação causal entre trabalho e lesão. No âmbito legal deve ser estabelecida a aplicação do nexo técnico previdenciário, que pode ser de três espécies:

I – Anexo técnico profissional ou do trabalho – fundamentado nas associações entre patologias e exposições ocupacionais de acordo com a profissiografia do segurado, constantes das listas A e B do anexo II do Decreto nº 3.048, de 19999;

II – Anexo técnico por doença equiparada a acidente de trabalho ou nexo técnico individual – decorrente de acidentes de trabalho típicos ou de trajeto, bem como de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele relacionado diretamente, nos termos do §2º do art. 20 da Lei nº 8.213/918;

III – Anexo técnico epidemiológico previdenciário (NTEP) – aplicável quando houver significância estatística da associação entre a entidade mórbida motivadora da incapacidade (relacionada na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – 10ª revisão (CID10)) e o CNAE (Classificação Nacional de Atividade Econômica) da empresa à qual o segurado é vinculado. Essas relações constam da lista C do anexo II do Decreto nº 3.048, de 19999, alterado pelo Decreto nº 6.042/200724.

O NTEP é baseado em matriz criada a partir do banco de dados da Previdência Social e foi implantado desde de abril de 2007. A análise demonstrou associações estatísticas entre ramos de atividade econômica de vínculo de trabalhadores e patologias responsáveis por incapacidade para o trabalho superior a quinze dias. Conclui-se uma provável etiologia ocupacional nessas relações epidemiológicas7.

Comparando os registros da Previdência Social antes e depois da sua implantação, observou-se um aumento no número de notificações dos acidentes de trabalho (típico, trajeto ou doença ocupacional) da ordem de 45,9%, entre 2006 e 2008, basicamente à custa dos registros sem emissão de CAT (86%); além do incremento em 152% da concessão de benefícios auxílio-doença acidentários e decréscimo de 17% de auxílio-doença previdenciário10. O NTEP mostrou-se uma ferramenta modificadora do perfil da concessão de benefícios previdenciários e um elemento na busca pela redução da subnotificação de agravos ocupacionais11,12.

Na análise da aplicação do NTEP o Perito Médico deve utilizar ferramentas clássicas como: histórica clínica, exame clínico (físico e mental) e exames complementares; assim como da anamnese ocupacional, estudo do local e da organização do trabalho e identificação de riscos ocupacionais4. Nas situações as quais dispuser de informações ou elementos do exercício da atividade que demonstrem a inexistência do nexo lhe é garantida autonomia para negar a caracterização do benefício em espécie acidentária13.

O NTEP é uma ferramenta nova no âmbito da Previdência Social e cuja atribuição impacta na diminuição da injustiça social em matéria de saúde do trabalhador nos campos econômicos, tributários, administrativos e financeiros7. Justifica-se este estudo para descrição de relações de causalidade entre doença e ocupação dos trabalhadores pelo NTEP e discussão das relações detectadas na sua matriz. A partir deste ponto, recomendar melhorias no uso da ferramenta.

 

MATERIAIS E MÉTODO

Para esse estudo descritivo de corte transversal, foi selecionada uma Agência da Previdência Social na cidade de São Paulo, levando-se em consideração a facilidade de acesso aos dados a serem pesquisados. Nessa unidade trabalham, aproximadamente, 30 Peritos Médicos realizando avaliações iniciais de incapacidade laborativa para reconhecimento de direito a benefício previdenciário auxílio-doença. A seleção da amostra foi baseada na conveniência da coleta das conclusões de requerimento emitidas entre outubro/2008 e março/2010.

Foram critérios de exclusão:

1. Requerimentos com indeferimento do pedido de benefício previdenciário;

2. Concessão de auxílio-doença previdenciário (espécie 31);

3. Concessão de auxílio-doença acidentário (espécie 91) por aplicação de nexo profissional ou individual;

Foram coletadas 350 conclusões de requerimento e partiu-se para a análise dos laudos médico-periciais que embasaram o resultado. Aplicou-se mais um critério de exclusão, ausência de descrição da ocupação do segurado nesses laudos médico-periciais, chegando-se à amostra final de 304 requerimentos que deram origem a benefícios auxílio-doença, de espécie acidentária (E91) por aplicação do NTEP.

Foi realizada a tabulação de dados referentes a diagnóstico motivador da incapacidade laborativa, padronizado pela CID10, e ocupação descrita, padronizada pela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO‒2009). A CBO é definida pelo Ministério do Trabalho e Emprego e tem por finalidade a identificação das ocupações no mercado de trabalho, para fins de ordem administrativa. Com o objetivo didático, os códigos da CID10 serão agrupados em intervalos, conforme a lista C do anexo II do Decreto nº 3.048/999.

 

RESULTADOS

Da amostra analisada de 304 atendimentos, foram conferidos diagnósticos compatíveis com oito capítulos da CID10 (Tabela 1). As doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo foram as mais frequentes, seguidas dos transtornos mentais e comportamentais. Os diagnósticos foram aglomerados em 20 intervalos e os mais frequentes foram as dorsopatias e transtornos de tecidos moles (Tabela 2).

 

 

 

 

A partir da descrição das profissões, os segurados foram agrupados em 78 famílias da CBO. Houve maior frequência de trabalhadores nos serviços de manutenção de edificações (Tabela 3). Estão contemplados neste grupamento faxineiras, ajudantes e auxiliares de serviços gerais.

 

 

Detectou-se 186 relações de causalidade entre grupamento CBO e intervalo CID10, ou seja, concordância do médico perito com a aplicação do NTEP. As dorsopatias tanto em trabalhadores nos serviços de manutenção de edificações, quanto em técnicos e auxiliares de enfermagem, foram as associações mais frequentes (Tabela 4).

 

 

DISCUSSÃO

Estudos demonstram que os acidentes, caracterizados como lesões por causas externas, são os agravos mais incidentes no perfil geral da concessão de benefícios previdenciários14. Nesta amostra os distúrbios osteomusculares e os transtornos mentais foram mais incidentes. Este resultado pode estar relacionado pelo pressuposto primordial de o NTEP executar um papel de minimizar principalmente a subnotificação das doenças ocupacionais.

Nota-se a presença de muitas ocupações que compõem o setor de serviços. Conforme dados previdenciários, mais de 60% da população contribuidora previdenciária é composta por profissionais do ramo terciário da economia10.

É ampla a discussão acerca de diversas associações técnicas estabelecida pelo NTEP e a realidade das condições de trabalho. As relações de causalidade estimadas pela epidemiologia previdenciária demonstraram principalmente a dorsopatia como diagnóstico incapacitante. A dor nas costas tem se mostrado a principal causa de auxílio-doença e invalidez no Brasil11,15. Profissões nas quais há postura prolongada ortostática ou sentada, vibrações de corpo inteiro, levantamento e transporte de carga são agressoras à coluna vertebral3.

Autores levantam uma questão importante, que é a elevada frequência de simulação nos pacientes com lombalgia que requerem benefício do INSS16. Portanto, deve-se reforçar junto à perícia médica esforços para uma avaliação crítica, a fim de minimizar tanto a concessão de um benefício indevido, pela inexistência da incapacidade, quanto o estabelecimento de um nexo técnico inexistente.

Ocupações com atividades envolvendo posições estáticas forçadas, movimentos repetitivos e vibrações localizadas lesam, principalmente, membros superiores3. Tais fatores devem ser levados em consideração no momento da análise da profissiografia dos segurados requerentes.

A respeito dos transtornos mentais e comportamentais, Jacques17 traz à discussão as teorias divergentes sobre o papel do trabalho no adoecimento mental. A multicausalidade interage de forma complexa para se estimar o trabalho como determinante ou como fator desencadeante a partir de uma estrutura pré-existente. Nesse sentido o aspecto epidemiológico pode auxiliar sobremaneira o estabelecimento do nexo.

A polarização depressiva de humor pode estar relacionada à exposição a fatores psicossociais desfavoráveis1, como o que ocorre entre os profissionais de enfermagem. As reações ao stress grave e transtornos de adaptação podem estar etiologicamente relacionadas a profissões expostas a atos de agressão por terceiros, como vigilante e guarda de segurança.

Alguns grupamentos de diagnóstico presentes no estudo merecem ser melhor discutidos pela relação de nexo técnico estabelecida na matriz previdenciária:

Distúrbios infectoparasitários relacionados ao trabalho em ambientes que não sejam serviços de saúde podem apresentar uma relação etiológica mais como um componente de determinantes sociais da inserção dos trabalhadores do que pela presença do agente de risco no processo de trabalho.

O distúrbio ocular diplopia é descrito como associado à exposição a agentes como brometo de metila, cloreto de metileno e outros solventes clorados neurotóxicos3. Portanto, para definição do nexo com a profissão de motorista a avaliação de exposição é imprescindível.

As doenças do aparelho circulatório são muito prevalentes na sociedade, sendo a principal causa de óbito na cidade de São Paulo18. Portanto, sua presença no grupo seria esperada. Todavia o mecanismo de adoecimento, como em situações de varizes de membros inferiores em cobrador e hemorroidas em copeiro, deveria ser melhor aprofundado antes de ser mantido o estabelecimento do nexo técnico.

A apendicite aguda é a causa mais comum de dor abdominal aguda e a apendicectomia é a mais frequente emergência cirúrgica no mundo19. Todavia, não há descrição etiológica compatível com a exposição a riscos ocupacionais, como na ocupação de assistente administrativo e impressor gráfico11.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O aumento exponencial das concessões de benefícios acidentários após a implantação do NTEP pode influenciar na conscientização das empresas no que tange à prevenção de doenças e acidentes relacionados com o trabalho. O impacto do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), com possível aumento da alíquota da contribuição do Risco de Acidente de Trabalho (RAT), antigo Seguro Acidente de Trabalho (SAT), pode incentivar um aumento do investimento em melhorias tanto na qualidade de vida dos trabalhadores, quanto nos ambientes e organizações de trabalho20-21.

O papel do Médico do Trabalho como assessor técnico é definir as estratégias de cuidados à saúde dos trabalhadores. Possíveis nexos causais entre adoecimento e ambiente/organização de trabalho devem ser diagnosticados, estudados e minimizados. Historicamente, cabe ao profissional médico das empresas notificar as doenças ocupacionais por meio da emissão da CAT. Todavia, são notórias as recorrentes situações de cerceamento da sua autonomia por parte do empregador. Portanto, com o advento do NTEP há perspectiva de uma abertura de diálogo entre a área administrativa e ocupacional, promovendo a modificação da visão do empresariado acerca da função do Médico do Trabalho.

A necessidade de se criar um perfil de morbimortalidade dos empregados para fins de diagnóstico epidemiológico e de monitoramento permanente deve se tornar atividade permanente dos Serviços de Saúde Ocupacional. O direcionamento para investimentos em diagnóstico e tratamento de situações de trabalho insalubres é esperado.

Apesar destes aspectos positivos também se discute a probabilidade do aumento das restrições impostas nos exames admissionais. Questiona-se haver o intuito de selecionar apenas trabalhadores considerados fora de risco para doenças prevalentes na população geral. Desta forma, minimizando o estabelecimento de um possível nexo técnico epidemiológico na possibilidade de um afastamento previdenciário. Assim, podem ser excluídos do mercado de trabalho profissionais aptos para a função pretendida mas portadores de morbidades tentando minimizar o aumento da frequência de agravos na população trabalhadora. Assim, nexos técnicos epidemiológicos inconsistentes pela ausência de exposição ocupacional ao risco podem alimentar uma cultura segregacionista imposta pelas corporações.

Para os trabalhadores, o NTEP trouxe a inversão do ônus da prova, cabendo ao empregador provar que o adoecimento não ocorreu no trabalho. Sendo assim, são garantidos aos trabalhadores adoecidos os direitos trabalhistas de estabilidade no trabalho por doze meses após cessação do benefício, contagem de tempo para aposentadoria por tempo de contribuição e recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) durante o período de recebimento do benefício auxílio-doença acidentário (E91).

Para os Peritos da Previdência Social o advento do NTEP promoveu uma modificação no processo laboral para a definição da espécie de benefício auxílio-doença a ser reconhecido como direito de um segurado. Com a promulgação de uma legislação normativa a respeito do estabelecimento da espécie do benefício prevê-se uma diminuição do atrito com o segurado. O nexo técnico, a partir da relação causal, deveria ser provado pelo requerente, principalmente por meio da apresentação da CAT. A Instrução Normativa nº 31 do INSS dispõe: "A Perícia Médica do INSS poderá deixar de aplicar o nexo técnico epidemiológico previdenciário mediante decisão fundamentada, quando dispuser de informações ou elementos circunstanciados e contemporâneos ao exercício da atividade que evidenciem a inexistência do nexo técnico entre o agravo e o trabalho"13.

Em situações mais complexas os Peritos sem formação aprofundada em Medicina do Trabalho podem ter dificuldade em fixar o NTEP de forma adequada, ou seja, exercer sua autonomia frente à ferramenta. Sendo assim, o trabalho da Perícia Médica pode cair em descrédito com seus pares e gerar atritos sociais.

Sabe-se que a subnotificação dos acidentes de trabalho e doenças ocupacionais traz prejuízos à Saúde Pública. Há uma limitação para diagnosticar problemas e programar ações a serem empreendidas para minimizar o sofrimento da população que sustenta economicamente o país. A aplicação do NTEP causou uma mudança no padrão das concessões de benefício previdenciário, criando uma nova característica de epidemiologia aumentando a diversificação dos agravos à saúde considerados ocupacionais. Porém, inconsistências deformam este perfil, apesar de Oliveira7 sustentar que: "Os enunciados são colocados de forma que o NTEP seja auspicioso para explicar o que já se conhece (plausível), como também potente o suficiente para sugerir causalidade àquelas situações ainda por se conhecer"7.

As doenças endêmicas por fatores socioeconômicos no país e as doenças idiopática devem ter sua etiologia ocupacional discutida individualmente. A supernotificação também é um possível problema cujas consequências serão custeadas pela sociedade. Punição econômica injusta aos empresários pode se tornar motivo para ação judicial contra a Previdência Social, com grande possibilidade de êxito. Isto pode provocar um descrédito social da ferramenta.

Reforçamos as recomendações de Santana21 para revisão da base estatística do NTEP. Também achamos factível investimento do INSS em capacitação, incentivando seu quadro de Peritos Médicos a aprimorar sua formação em Medicina do Trabalho, além de treinamentos permanentes a respeito de doenças ocupacionais. Desta maneira, ao dominar as ferramentas de avaliação de riscos ocupacionais podem estabelecer de forma mais técnica nexo causal entre doença e trabalho.

O conhecimento da profissiografia dos trabalhadores minimiza erros na aplicação do nexo técnico epidemiológico, por indicar especificidade das atividades laborativas. Portanto se sugere o uso da CBO como variável na análise dos requerimentos. Também se deve instituir, de forma mais sistemática, as vistorias dos ambientes de trabalho pela Perícia Médica Previdenciária. Esta é a maneira mais eficaz de estabelecer relações de causalidade nas doenças ocupacionais.

Este estudo encontrou como limitações a não padronização das avaliações de consistência dos nexos sugeridos pelo NTEP. Não houve avaliação dos postos de trabalho dos segurados cujos laudos foram utilizados como amostra, os quais eram pobres em histórico natural das doenças e anamnese ocupacional. Sugere-se o desenvolvimento de novos estudos sobre o tema que abranja, metodologicamente, a vistoria de locais de trabalho para aumentar a visibilidade da discussão dos nexos técnicos previdenciários.

 

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Trabalho realizado no Departamento de Medicina Social da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP) – São Paulo (SP), Brasil.

Recebido em 20 de Setembro de 2012.
Aceito em 28 de Novembro de 2012.


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