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ARTIGOS ORIGINAIS

Trabalho precário e assédio moral entre trabalhadores da Estratégia de Saúde da Família

Precarious work and moral harassment among workers of Family Health Strategy

Lucas Mello Pioner

RESUMO

CONTEXTO: As contínuas transformações que vêm ocorrendo no mundo do trabalho, predominantemente de cunho econômico, têm influenciado diretamente na estrutura das organizações prestadoras de serviços de saúde. Estas últimas, a fim de se manterem inseridas no mercado de trabalho, exploram cada vez mais o seu bem mais precioso (os recursos humanos), levando os profissionais ao convívio diário com situações desgastantes que acabam por ferir a dignidade da condição humana do sujeito-trabalhador.
OBJETIVOS: Investigar a existência de trabalho precário e de assédio moral na população de trabalhadores da Estratégia de Saúde da Família, no município de Manacapuru (AM).
METODOLOGIA: Trata-se de um estudo com abordagem qualiquantitativa, de investigação da prevalência de trabalho precário e de assédio moral na população de trabalhadores da Estratégia de Saúde da Família (ESF) de um Município do Estado do Amazonas. Como instrumento, utilizou-se um questionário padronizado e autorrespondido.
RESULTADOS: 137 indivíduos (idade média de 33,7 anos) participaram da pesquisa, sendo 80,88% do sexo feminino. Houve predomínio de Agentes Comunitários de Saúde (ACS – 77,94%), 86% recebem até R$ 930,00 e apenas 28,67% têm vínculo estável.
CONCLUSÕES: Concluiu-se que o trabalho na ESF amazônica é marcado por uma alta prevalência de condições precárias e por políticas institucionais favoráveis ao surgimento de assédio moral entre os trabalhadores.

Palavras-chave: Agentes Comunitários de Saúde; dano moral; pessoal de saúde; saúde da família; saúde do trabalhador.

ABSTRACT

CONTEXT: The continuous transformations, occurring in the workplace, predominantly economic ones, have directly influenced the framework of health service provider organizations. The latter ones explore their most valuable asset (human resources) aiming at remaining inserted in the labor market, leading the professional to face stressful situations every day, which end up in hurting human dignity of the worker.
OBJECTIVES: To investigate the existence of precarious work and moral harassment in the population of Family Health Strategy in the municipality of Manacapuru (AM).
METHODOLOGY: This study has a qualitative-quantitative approach. It investigated the prevalence of precarious work and moral harassment in the population of Family Health Strategy workers in a municipality in the state of Amazonas. A standardized self-answered questionnaire was used as a tool.
RESULTS: One hundred and thirty-seven individuals (average age of 33.7 years old) took part in this study. Of this population, 80.88% were women. Health Community Agents predominated in this study (77.94%), 86% earn up to R$ 930.00 and only 28.67% have a stable employment.
CONCLUSIONS: It was concluded that there was a high prevalence of precarious conditions and institutional polices favorable to the rise of moral harassment among workers in the Amazon Family Health Strategy.

Keywords: Community Health Workers; moral damage; health personnel; family health; occupational health.

INTRODUÇÃO

A Estratégia de Saúde da Família (ESF) é entendida como uma estratégia de reorientação do modelo de assistência à saúde, operacionalizada mediante à implantação de equipes multiprofissionais, em abordagem interdisciplinar, nas Unidades Básicas de Saúde1.

Essas equipes são responsáveis pelo acompanhamento de um número definido de famílias, localizadas em uma área geográfica delimitada, atuando com ações de promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais frequentes, e na manutenção da saúde dessa comunidade. As equipes devem ser compostas, pelo menos, de um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem, e de quatro a seis agentes comunitários de saúde, podendo ainda ser ampliada pela presença dos profissionais da odontologia – cirurgião-dentista, auxiliar de consultório dentário e técnico em higiene dental1.

Em outubro de 2008, de acordo com o Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), o Brasil possuía 29,2 mil equipes de Saúde da Família atuando em 5.232 municípios brasileiros. Porém, somente 93,1 milhões de pessoas estavam cobertas pelo programa, ou seja, menos de 50% da população brasileira2.

Cabe destacarmos ainda que, na prática cotidiana, devido aos baixos salários e às precárias condições de trabalho que lhes são oferecidas, costuma haver alta rotatividade e reduzida fixação de profissionais, de tal modo que inúmeras equipes se encontram incompletas, com destaque para a corriqueira ausência de médicos, sobretudo nos locais com infraestrutura mais precária (como no contexto amazônico, por exemplo).

De acordo com os pressupostos legais, o Sistema Único de Saúde (SUS) deve ser estruturado em uma rede hierarquizada e regionalizada, com tendências à municipalização dos serviços oferecidos. Nesse sentido, por se encontrarem em uma posição privilegiada, mais próxima da realidade vivenciada pelas famílias e comunidades, os profissionais que atuam nas equipes de ESF devem se constituir na principal referência e na porta de entrada preferencial para o cuidado oferecido aos usuários3.

Do ponto de vista dos trabalhadores em saúde, o modelo hegemônico vigente no país, ao mesmo tempo em que lhes tolhe a autonomia e o status de profissionais liberais, afeta diretamente as suas saúdes. Distúrbios psicológicos são os mais comumente percebidos. Enquanto trabalham em condições precárias e veem o potencial de seu labor ser subaproveitado, o que por si só gera ansiedades e frustrações, ainda tem que conviver com as frequentes agressões (veladas ou mesmo explícitas) por parte de seus superiores hierárquicos ou mesmo decorrentes da insatisfação dos usuários de seus serviços4.

Devemos ressaltar que, no caso específico dos profissionais da ESF, esta situação se agrava ainda mais, e justamente em razão do tipo de cuidado que é oferecido. O trabalho na ESF pressupõe o contato próximo e diário com as situações de vida dos usuários diretamente no território, em acompanhamentos em longo prazo (longitudinalidade), que objetivam a formação de vínculos de confiança entre os usuários e as equipes.

Isso significa que para o trabalho na ESF ter efetividade, é preciso que os profissionais de saúde compartilhem dos problemas vivenciados pelos usuários de modo muito particular, em posição de corresponsabilidade pela continuidade do cuidado. Assim, quando se deparam com a impotência imposta pelas precárias condições de trabalho, esses profissionais se encontram fragilizados e vulneráveis ao adoecimento, sobretudo por distúrbios psiquiátricos e comportamentais.

As organizações do trabalho, com destaque para aquelas da área da saúde, se caracterizam, na atualidade, como ambientes com predomínio de condições negativas, tais como: recursos materiais e humanos demasiadamente escassos, desencadeando conflitos emocionais inoportunos que prejudicam o ser humano trabalhador5. Com frequência, transforma-se o ambiente de trabalho em um local de ações degradantes e humilhantes, com reflexos nefastos sobre a saúde física, moral e emocional dos indivíduos e das próprias instituições6.

Nesse contexto, de psicoterror e despersonalização do indivíduo trabalhador, emerge o assédio moral, um processo de violência psicológica extremada, traduzido na prática diária por uma infinidade de condutas abusivas, seja por meio de palavras, atos ou comportamentos, que possam danificar a integridade física ou psíquica do trabalhador7-9.

Essas agressões e violências, em geral, são concretizadas de modo dissimulado, especialmente sob diversas formas de comunicação não verbal, nas quais o agressor explora as fragilidades de sua vítima, induzindo-a a perder a estabilidade, duvidando de si mesma. Visam debelar suas defesas, e, desse modo, aniquilar paulatinamente sua autoconfiança. Essa abordagem culmina com situações humilhantes e constrangedoras que se desenrolam de forma repetitiva e prolongada, configurando uma realidade invisível, porém concreta7,10.

Diante desse cenário, esta pesquisa tem por objetivo investigar a presença de trabalho precário e de assédio moral na população de trabalhadores da ESF, no município amazonense de Manacapuru.

 

MÉTODOS

Esse estudo, de natureza qualiquantitativa, é parte de uma pesquisa mais ampla que avaliou, em múltiplos aspectos, as condições de trabalhos dos profissionais que atuam na ESF dos principais municípios do Estado do Amazonas. Especificamente neste artigo, apresentamos os dados referentes ao município de Manacapuru (AM), por ser aquele em que foram encontrados índices mais alarmantes de trabalho precário e de indícios de assédio moral.

Contexto do estudo – Manacapuru

Manacapuru é um município da região metropolitana de Manaus, Estado do Amazonas, localizado à margem esquerda do Rio Solimões, com uma distância de 78 km em relação à capital e 7.329 km2 de extensão territorial. Sua posição geográfica é estratégica, situando-se na confluência do Rio Manacapuru com o Rio Solimões11.

A população do município é de 86.472 habitantes, sendo 87% moradores da zona urbana e 13% moradores da zona rural. Quanto à distribuição étnica, o predomínio é de pardos, com 69,99% dos habitantes, seguidos pelos brancos, que representam 22,21% da população. Os pretos correspondem a 5,26%, enquanto os amarelos e indígenas somados chegam a 1,03% do total de manacapuruenses11.

Atualmente, em Manacapuru, há 23 Estabelecimentos de Saúde, todos pertencentes à rede pública do SUS. Apenas uma dessas unidades tem capacidade de atendimento a casos emergenciais, sendo também a única que dispõe de leitos (em um total de 89) para internação hospitalar. Os demais 22 estabelecimentos são Unidades Básicas de Saúde e apenas 50% dessas (11) oferecem atendimento ambulatorial com a presença de equipes completas de ESF11.

Amostra

A amostra foi composta por todos os trabalhadores vinculados à ESF municipal e distribuídos entre as seguintes categorias profissionais:

a. Enfermeiros;
b. Médicos;
c. Agentes Comunitários de Saúde (ACS);
d. Cirurgiões-Dentistas;
e. Técnicos de Enfermagem.

Instrumento

O trabalho foi desenvolvido utilizando-se dados de um questionário elaborado e aplicado em um estudo mais amplo sobre a ESF e também em outros municípios do Estado do Amazonas.

O instrumento, previamente padronizado, aborda múltiplos aspectos relacionados às condições de trabalho individuais e coletivas na ESF do município pesquisado, servindo de base para reflexões sobre as condições de trabalho no SUS, com especial atenção dedicada ao fenômeno do assédio moral no trabalho em saúde.

Os questionários, autorrespondidos, são basicamente compostos por perguntas objetivas de múltipla escolha, relacionadas às características sociodemográficas, de condições de trabalho e de saúde/doença a respeito dos entrevistados. Adicionalmente, há perguntas discursivas e espaços destinados à reflexão dos temas assédio moral e precarização do trabalho em saúde, preservando a perspectiva de subjetividade dos sujeitos da pesquisa.

Analisando-se o instrumento de pesquisa de modo mais detalhado, podemos observar que, didaticamente, ele pode ser dividido em três grandes blocos. O primeiro aborda aspectos sociodemográficos dos entrevistados, tais como: sexo, idade, escolaridade, entre outros.

No segundo bloco, há perguntas relacionadas às condições de trabalho (tipo de vínculo empregatício, remuneração mensal, horas trabalhadas/semana, tempo de trabalho nesse serviço, ambiente e relações de trabalho) e seus reflexos sobre a saúde dos trabalhadores (adoecimento ocupacional, tempo e causas de afastamento do trabalho, ameaças e agressões sofridas, tabagismo e uso de álcool, etc.).

Por fim, um terceiro bloco de perguntas aborda as questões mais diretamente envolvidas com indícios de assédio moral no trabalho, tais como: sensação de ser vigiado ou prejudicado por colegas ou superiores, ameaças de demissão, pressões desnecessárias e desproporcionais advindas de superior, violência psicológica no local de trabalho, tempo insuficiente para a realização das tarefas, exigências contraditórias, fúteis ou impraticáveis.

Análise dos dados e Aspectos Éticos da Pesquisa

Após a aplicação dos questionários, procedeu-se a alimentação de um banco de dados, com todas as informações sendo armazenadas individualmente para cada sujeito da pesquisa. Ao término dessa etapa, a análise de todo o material obtido foi realizada utilizando-se o programa Stata, versão SE 9.0. Foram efetuadas análises univariadas, isto é, com comparações de variável por variável.

Este projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sendo aprovado sob o Protocolo nº 0105.0.242.000-09. Atende, portanto, aos aspectos contidos na Resolução n º 196 de outubro de 1996 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde12, que dispõe sobre a realização de pesquisas envolvendo seres humanos, bem como suas complementares.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ao todo, responderam ao instrumento de pesquisa um total de 137 indivíduos vinculados à ESF do município de Manacapuru (AM), sendo o sexo feminino predominante, numa proporção superior a 4:1, conforme se observa na Tabela 1. Nessa mesma tabela, bem como nas que a sucedem, pode-se perceber que ocorreram algumas perdas ao longo do processo de coleta e análise dos dados. Em razão disso, o total de respostas não foi coincidente para todas as variáveis.

 

 

Quanto à idade, pode-se afirmar que os trabalhadores da ESF de Manacapuru são, em sua ampla maioria, jovens. A amostra apresenta a seguinte distribuição por faixa etária: 20–29 anos (40,31%); 30–39 anos (34,88%); 40–49 anos (20,93%); 50–59 anos (3,87%).

Os dados apresentados acima, referentes ao sexo e à idade das vítimas de assédio moral, são condizentes com o encontrado em estudos internacionais13-14, bem como no estudo brasileiro conduzido por Glina et al.9, no qual 67% dos participantes eram do sexo feminino, com 89% dos indivíduos com idades variando entre 29 e 48 anos completos. Pode-se constatar, portanto, que esses dados são contrários àqueles encontrados por Hirigoyen15, que aponta uma predominância de vítimas de assédio moral em trabalhadores acima dos 50 anos de idade.

Em relação ao tempo de trabalho nesse serviço, a imensa maioria (80%) dos funcionários ainda pode ser considerada como pouco experiente, contando com até 5 anos completos de exercício profissional na ESF manacupuruense (31,85% – menos de 1 ano; 48,15% entre 1 e 5 anos), o que também é compatível com o encontrado por Glina et al.9.

Quanto às diferentes categorias profissionais, a Tabela 2 nos apresenta a distribuição de frequências, com amplo predomínio da categoria dos ACS, com quase 80% do total de profissionais.

 

 

Esses dados explicam o predomínio de trabalhadores do sexo feminino, pois historicamente a profissão de ACS é exercida, no Brasil, majoritariamente por mulheres. Ademais, somados aos demais profissionais de nível médio (auxiliares de enfermagem, auxiliares de consultório dentário, e técnico em higiene dental), tem-se que 82,35% dos indivíduos da amostra têm grau de instrução abaixo do nível universitário, o que os torna ainda mais vulneráveis ao assédio advindo de superiores.

Em relação aos rendimentos, como a maior parte da população em estudo pertence à categoria profissional dos ACS, os vencimentos se concentraram nas faixas salariais mais baixas (86% até R$ 930,00, ou dois salários mínimos da época), conforme podemos observar na Tabela 3.

 

 

Além dos baixos salários, as Tabelas 4 e 5 nos apresentam outras facetas da precariedade de condições de trabalho a que esses servidores estão submetidos. Neste e em outros estudos que abordaram a temática do assédio moral, há um amplo predomínio de vínculos empregatícios frágeis e que não asseguram a estabilidade do emprego9.

 

 

 

 

Em ambientes precários, com excessiva pressão por produtividade, aliado a pouca ou nenhuma proteção institucional, já era de se esperar que houvesse fortes indícios de assédio moral na população investigada. Os dados apresentados não deixam dúvida quanto à existência desse fenômeno em grande proporção dos indivíduos de ambos os sexos.

Se fizermos uma análise mais detalhada, podemos perceber que, para os homens, o assédio moral foi percebido especialmente através da sensação de ser vigiado por colegas ou superiores e pela falta de segurança e estabilidade no emprego. Já nas trabalhadoras, o assédio foi percebido através de pressões desnecessárias, agravadas pela inexistência de condições físicas e psicológicas adequadas para o exercício de suas profissões. Essa última sensação também apresentou alta prevalência entre os homens.

Na Tabela 6 apresentamos outros dados que corroboram o que foi dito acima, isto é, os trabalhadores da ESF de Manacapuru (AM), exercem seus ofícios sob condições laborais que põem em risco suas próprias saúdes. Frequentemente precisam executar suas tarefas com muita rapidez, produzindo muito em intervalos de tempo desproporcionais e insuficientes. O trabalho exige demais dos funcionários, entre outros motivos, por apresentar exigências contraditórias ou discordantes.

 

 

Nesse sentido, Frutuoso e Cruz16 esclarecem que o tempo necessário para a realização de uma tarefa, quando é considerado insuficiente na prática cotidiana, contribui de modo decisivo para o surgimento de sobrecargas de trabalho. Ou seja, percebe-se que, no caso dos profissionais da ESF de Manacapuru, existe uma permanente tensão entre as exigências (implícitas e explícitas) do processo de trabalho e as capacidades biopsicossociais dos trabalhadores para respondê-las.

Portanto, é fundamental investir no aprendizado de comportamentos necessários para a execução das atividades, minimizando as sobrecargas, repercutindo de modo positivo diretamente no modo de atuação do trabalhador diante das exigências que lhe são impostas. Essa postura pode contribuir para maximizar as habilidades e competências do trabalhador sobre o equilíbrio da carga de trabalho.

Por outro lado, é importante ressaltarmos que o processo de busca de dados oferece algumas limitações quanto à população em estudo, em virtude do afastamento profissional (absenteísmo) de alguns dos trabalhadores.

Além disso, por se tratar de uma pesquisa envolvendo seres humanos, respeitando os aspectos éticos mencionados acima, apenas foram coletados os dados referentes aos sujeitos que assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido para a sua participação, o que também restringiu a adesão dos participantes, pouco acostumados com os trâmites e formalidades dos estudos científicos.

Adicionalmente, houve relativa dificuldade para aplicação desse instrumento, tendo em vista a pouca disponibilidade de horários dos profissionais para a realização do estudo, bem como a natural indisposição para expor dados de foro íntimo e relatos de conflito interpessoal no trabalho.

Por fim, é importante destacarmos que, infelizmente, o instrumento utilizado não permitiu identificar com exatidão quem são os assediadores, ainda que haja menção direta ao assédio praticado por colegas ou superiores hierárquicos. De todo modo, sugerimos que os futuros estudos sobre essa temática utilizem instrumentos capazes de elucidar de modo mais detalhado esse importante aspecto.

 

CONCLUSÕES

Diante dos resultados apresentados anteriormente, pode-se afirmar que a população de trabalhadores da ESF investigada apresenta sérios entraves ao bom desenvolvimento de uma atenção primária à saúde resolutiva e de qualidade, em virtude das altas prevalências de trabalho precário e de assédio moral, que se manifesta em todas as categorias profissionais, embora de modo diferenciado segundo o sexo do assediado.

Para os homens, o assédio moral se manifesta através da sensação de ser vigiado por colegas ou superiores e pela falta de segurança e estabilidade no emprego. Já entre as mulheres, o fenômeno se manifesta através de pressões desnecessárias, agravadas pela inexistência de condições físicas e psicológicas adequadas para o exercício de suas profissões.

Tal situação, apesar de não ser recente ou isolada, precisa ser revista com urgência. Afinal, a ESF foi elencada como prioridade para o reordenamento da atenção à saúde no país, devendo ser norteada a partir da Atenção Básica.

Embora esse quadro tenha se disseminado pelos mais longínquos confins da imensa nação brasileira, o caso ora apresentado merece atenção especial. Não há, em Manacapuru, qualquer estabelecimento de saúde pertencente ao setor privado. Todas as 23 unidades prestam seus serviços através do SUS, e a absoluta maioria (22 unidades) é composta por Unidades Básicas de Saúde. Dessa forma, se as condições laborais da ESF vão mal, é notório que o mesmo aconteça com a saúde da população local.

Além da já tradicional falta de recursos e estrutura de todos os tipos, no contexto descrito acima, a chamada reestruturação produtiva do trabalho no setor saúde mostra uma de suas múltiplas facetas, talvez a mais perversa, por representar o momento em que o trabalho causa dano em quem o exerce. E a crueldade e vilania, em muitos cenários, estão no fato de o assédio (não apenas moral) ser caracterizado como uma política institucional, de forma deliberada. Nesse sentido, destacamos a precariedade dos vínculos empregatícios, bem como os baixos salários recebidos pela ampla maioria dos profissionais.

Portanto, concluiu-se que se os gestores da saúde manacapuruense pretendem efetivamente dar um novo rumo à atual situação, devem começar a fazê-lo através da valorização de seu quadro de funcionários. É preciso haver uma radical ruptura de paradigmas, elevando-se novamente o trabalho em saúde à categoria dos ofícios exercidos como um dom para o cuidado ao outro, e não mais como um fardo para o trabalhador.

 

REFERÊNCIAS

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15. Hirigoyen MF. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2002.

16. Frutuoso JT, Cruz RM. Mensuração da carga de trabalho e sua relação com a saúde do trabalhador. Rev Bras Med Trab. 2005;3(1):29-36.

 

Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) – Florianópolis (SC), Brasil.

Recebido em 25 de Janeiro de 2012.
Aceito em 31 de Maio de 2012.

Fonte de financiamento: CNPq/Edital Universal 2008 (Processo CNPq 470.165/2008-1).


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