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ARTIGOS ORIGINAIS

Exposição a múltiplos agrotóxicos e prováveis efeitos a longo prazo à saúde: estudo transversal em amostra de 370 trabalhadores rurais de Campinas (SP)

Multiple pesticide exposure and probable long-term health effects: transversal study in a sample of 370 rural workers of Campinas (SP - Brazil)

Gisela Maria de Figueiredo1, Angelo Zanaga Trape2, Herling Aguilar Alonzo2

RESUMO

Este estudo transversal foi realizado observando as alterações encontradas na saúde de 370 trabalhadores atendidos no ambulatório de toxicologia do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) nos anos de 2006 e 2007. Os pacientes foram analisados com o intuito de se verificar os aspectos epidemiológicos, clínicos e laboratoriais encontrados em pessoas expostas a agrotóxicos a longo prazo, ou seja, com mais de um ano de contato. Os resultados revelaram que 71,35% eram do sexo masculino na faixa etária de 38 a 40 anos (28,1%). A maioria (85,14%) possuía contato direto com os agrotóxicos e fazia uso de equipamento de proteção individual (78,65%). Em relação ao uso de bebidas alcoólicas, 33,24% foram considerados etilistas. Alterações metabólicas foram registradas em 8,11% dos pacientes e quase metade deles era assalariada (48,92%). Cerca de 61,81% dos trabalhadores eram expostos a mais de um grupo químico de agrotóxicos, o que foi denominado exposição combinada. Foram detectadas alterações nos exames físicos de 16,22% das pessoas estudadas e nos laboratoriais de 29,7%. Dos pacientes, 79,2% apresentaram “exposição a longo prazo a agrotóxicos” e 20,8% “prováveis efeitos à saúde”. Estes dados demonstram a importância da avaliação de populações expostas a agrotóxicos não apenas para se conhecer o perfil do trabalhador e seus hábitos, mas também para gerar diagnósticos precoces de alterações no seu estado de saúde e propor medidas de saúde pública para o controle da exposição a esses agentes.

Palavras-chave: exposição a longo prazo a agrotóxicos; trabalhadores rurais; efeitos à saúde.

ABSTRACT

This transversal study comprised 370 rural workers with long-term pesticide exposure (over contact one year), assisted by the Toxicology Ambulatory Service of the University of Campinas Teaching Hospital during 2006 and 2007, aiming to analyze their health alterations, basing on epidemiologic, clinic and laboratory aspects. The results showed prevalence of males (71.35%) aged 38-40 years old (28.1%). Most had direct contact with pesticides (85.14%) and used individual protective equipment (78.65%). Concerning alcoholic drinks, 33.24% patients were considered alcoholic, and metabolic alterations were found in 8.11%. Almost half of workers were employed (48.92%). Approximately 61.81% of them were exposed to more than one chemical group of pesticides, which determined combined exposure. Physical examinations showed alterations in 16.22% of patients, laboratory alterations were found in 29.7%. Among the patients, 79.2% showed “a long-term pesticide exposure” and 20.8% showed “probable health effects”. These data demonstrated the importance of evaluating populations exposed to pesticides not only to know workers profiles and their habits, but also to diagnose early alterations in their health state and propose public health measures for controlling exposure to these agents..

Keywords: long-term pesticide exposure; rural workers; health effects.

INTRODUÇÃO

Os agrotóxicos são utilizados em grande escala por vários setores produtivos e, mais intensamente, pelo agropecuário. Isto tem sido objeto de estudos, tanto por conta dos danos que provocam à saúde das populações humanas e dos trabalhadores de modo particular quanto pelos danos ao meio ambiente e o aparecimento de resistência em organismos-alvo (pragas e vetores). As principais exposições a estes produtos ocorrem nos setores agropecuários, de saúde pública, empresas desinsetizadoras, de transporte, comercialização e produção de agrotóxicos. Além da exposição ocupacional, a contaminação alimentar e ambiental coloca em risco de intoxicação outros grupos, como famílias dos agricultores, moradores próximos às unidades produtivas e a população em geral, que se alimenta do que é produzido no campo.

A dificuldade de acesso dos agricultores às unidades de saúde, o despreparo dos médicos para relacionar os problemas dos pacientes com o trabalho em geral e com a exposição aos agrotóxicos de forma particular, os diagnósticos incorretos, escassez de laboratórios de monitoramento biológico e a inexistência de biomarcadores precoces e confiáveis são alguns dos fatores que influeciam no subdiagnóstico e no sub-registro. Portanto, pode-se afirmar que os dados oficiais brasileiros sobre intoxicações por agrotóxicos não retratam a realidade do país, como é constatado no estudo de Moreira et al.1

Geralmente, as intoxicações agudas com efeitos imediatos são reconhecidas sem dificuldade em virtude do curto período entre o contato com a substância tóxica e o aparecimento dos sinais e sintomas. Os efeitos tardios são mais difíceis de serem associados a uma exposição, pelo tempo transcorrido ou pelo aparecimento de desordens mais sutis ou atípicas, ou ambos2. Já as informações que indicam a possibilidade de efeitos crônicos à saúde após a exposição têm como base animais de laboratórios, com poucas evidências epidemiológicas em humanos3. Algumas evidências científicas mostram que a exposição aos agrotóxicos pode levar a danos à saúde muitas vezes irreversíveis, como é o caso da neuropatia tardia por sobreexposição a organofosforados4. Na literatura mundial, os agrotóxicos têm sido relacionados a diversos efeitos à saúde. Muitos danos crônicos vêm sendo relatados, dentre os quais se destacam patologias de pele, teratogênese, carcinogênese, desregulação endócrina, neurotoxicidade e efeitos na reprodução humana e no sistema imunológico, entre outros5-13.

Com base nisso, este artigo tem como objetivo apresentar os efeitos encontrados na saúde de trabalhadores que tiveram exposição a longo prazo a agrotóxicos e foram atendidos no ambulatório de toxicologia do Hospital das Clínicas (HC) da Unicamp em 2006 e 2007.

 

METODOLOGIA

Este estudo observacional transversal descritivo analisou os efeitos na saúde de 370 trabalhadores expostos ocupacionalmente a agrotóxicos a longo prazo atendidos no ambulatório de toxicologia do HC Unicamp em 2006 e 2007. Foi considerada exposição a longo prazo aquela que ultrapassou um ano. A coleta dos dados foi realizada por meio da análise dos prontuários dos pacientes.

As variáveis estudadas foram a idade, o sexo, a presença de fatores comportamentais e orgânicos, como o etilismo e alterações metabólicas, a relação de trabalho, o tipo de contato com os agrotóxicos, uso dos equipamentos de proteção individual (EPI), tempo de exposição aos agrotóxicos, presença de exposição combinada a agrotóxicos, alterações encontradas nos exames físico e laboratorial e o diagnóstico.

O trabalhador foi considerado etilista quando relatou ingestão alcoólica superior a 20 g de álcool por dia e avaliado por apresentar alterações metabólicas quando afirmou ter doença metabólica (dislipidemia, obesidade, disfunção tireoideana, diabetes e/ou síndrome plurimetabólica). Na variável relação de trabalho, os pacientes foram classificados em proprietários, meeiros, volantes, assalariados e outros.

Em relação ao tipo de contato, os trabalhadores foram qualificados em dois grupos: o direto, quando o agricultor aplicava, preparava ou diluía o agrotóxico e lavava as roupas usadas na aplicação; e o indireto, relacionado às funções de plantio, colheita, desbrotamento, embalagem, poda e capinagem. Dentre os EPI utilizados estavam calças compridas, camisa de mangas longas, roupa impermeável apropriada, sapato fechado, sapatão, botina ou bota apropriada, luvas, óculos de proteção, máscaras, chapéus ou bonés. Na variável tempo de exposição aos agrotóxicos foi levado em conta o período de exposição durante toda a vida laboral do trabalhador estudado. A presença de exposição combinada foi considerada positiva quando o agricultor fazia uso de mais de um grupo químico de agrotóxico (organofosforado, organoclorado, piretróide, carbamato, glifosato, fungicidas, paraquat) e negativa quando não fazia ou não sabia o tipo de agrotóxico que usava.

As alterações encontradas no exame físico dos pacientes foram coletadas nos prontuários, já que todos foram submetidos a exame físico completo.

Os exames laboratoriais avaliados apresentaram a exposição e efeito à saúde decorrente do contato com os agrotóxicos. Eles compreenderam hemograma, para verificar o funcionamento da medula óssea; o perfil hepático, que consiste na avaliação da AST (Transaminase Aspartato Aminotransferase), ALT (Transaminase Alanina Aminotransferase), GGT (Gama Glutamitransferase) e FA (Fosfatase Alcalina); o perfil renal, no qual são avaliadas a A1M (Alfa 1 Microglobulina), o marcador de lesão renal tubular precoce, a MICROALB (microalbuminúria) e o marcador de lesão renal glomerular precoce; e o exame de colinesterase, que consiste na averiguação da dosagem da acetilcolinesterase pelo método de Ellman, especificando o valor das colinesterases plasmática e eritrocitária14.

Em relação ao diagnóstico, foram estabelecidos dois grupos de pacientes: o “Exposição a longo prazo a agrotóxicos” reuniu os que não apresentaram alteração no exame físico ou no laboratorial, já que todos os pacientes estudados possuíam exposição aos agrotóxicos de no mínimo um ano, e “Provável efeito à saúde”, no caso dos trabalhadores cujo exame físico ou laboratorial apresentou alterações.

Para a base de dados e criação de variáveis foi utilizado o programa Microsoft Excel®. Já para a realização da análise estatística, o SPSS® versão 15.

Esta pesquisa não contou com a participação de voluntários. A forma de abordagem foi por meio de uma revisão dos prontuários dos pacientes atendidos no ambulatório de toxicologia em 2006 e 2007. Desta forma não houve razão para se utilizar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e aprovado sob o nº 308/2008 (CAEE 0240.0.146.000-080).

 

RESULTADOS

A maioria dos pacientes estudados estava na faixa etária de 38 a 40 anos

De acordo com a Tabela 1, o sexo predominante foi o masculino, correspondendo a 71,35% da amostra estudada. Em relação ao uso de bebidas alcoólicas, 33,24% dos pacientes foram considerados etilistas e as alterações metabólicas estavam presentes em 8,11%. Dentre as relações de trabalho, 48,92% eram assalariados, 25,14% meeiros, 19,73% proprietários, 4,86% tinham outros vínculos empregatícios e 1,35% eram volantes. Em relação ao tipo de exposição aos agrotóxicos, a maioria tinha contato direto (85,14%) e 78,65% usava EPI. Além disso, 61,81% estava exposto a mais de um grupo químico de agrotóxicos, o que foi denominado exposição combinada. E 16,22% dos pacientes apresentavam alterações no exame físico.

 

 

De acordo com a Tabela 2, dentre as alterações no exame físico, a dermatológica foi a mais encontrada (53,2%), com destaque para dermatites de contato irritativas e por sensibilidade, melanoses solares e ptiríases versicolor. Na sequência apareceram as alterações no exame neurológico periférico (16,1%), com a diminuição da força muscular, parestesias e queda de sensibilidade tátil e dolorosa nos membros inferiores. A alteração oftalmológica estava presente em 12,9% dos estudados, englobando o pterígio e as síndromes do olho vermelho, enquanto a alteração no exame abdominal atingia 9,7%, incluindo hepatomegalia e a esplenomegalia, e a do aparelho respiratório, 6,5%, com sinais de hiper-reatividade brônquica. As alterações laboratoriais foram encontradas em 29,7% dos pacientes, ainda de acordo com a Tabela 2. Destes, 37,21% apresentavam alteração no exame da colinesterase pelo método de Elman, sendo 78% em virtude da alteração na colinesterase plasmática e 22% da mudança na colinesterase eritrocitária. As alterações hematológicas estavam presentes em 26,3% dos pacientes com alteração laboratorial, sendo 41,4% delas decorrentes de plaquetopenia, 34,5% de neutropenia, 20,6% de anemia e 3,5% de pancitopenia. Em relação às alterações hepáticas, foram observadas em 37,2% dos casos com alterações no exame laboratorial, sendo que a maioria apresentava adulteração de GGT (35,6%), seguida por de AST (31,6%), ALT (28,9%) e FA (3,9%). Dos 41 estudados com alteração hepática, 21,9% tinham algum tipo de alteração metabólica e 53,6% eram etilistas. Dos com alteração laboratorial, 21,8% apresentavam alteração renal, sendo 73,7% decorrentes de alteração da MICROALB e 26,3% de alteração da A1M. E dos 24 pacientes com alteração renal, 12,5% apresentavam algum tipo de alteração metabólica.

 

 

Segundo a Tabela 1, 79,2% dos pacientes receberam o diagnóstico “Exposição a longo prazo a agrotóxicos” e 20,8% “Prováveis efeitos à saúde”.

A Tabela 3 compara as variáveis estudadas entre os trabalhadores sem e com alteração no exame físico, analisando o efeito de cada uma (sexo, idade, etilismo, presença de alteração metabólica, relação de trabalho, tipo de contato, uso do EPI e exposição combinada). Não houve evidências para concluir associação significativa de qualquer uma dessas variáveis e alterações no exame físico (p>0,05 – teste do χ2).

 

 

A Tabela 4 apresenta as variáveis em relação aos trabalhadores que tiveram ou não alterações laboratoriais. Observa-se associação significativa entre o etilismo e alteração no exame laboratorial (p=0,012 – teste do χ2).

 

 

Na Tabela 5 observam-se as variáveis em relação ao diagnóstico. Em “Efeitos à saúde” há associação significativa entre idade, etilismo e alteração metabólica (p<0,05 – teste do χ2).

 

 

DISCUSSÃO

Da análise dos resultados obtidos sobre o perfil do trabalhador rural constata-se que a maioria dos pacientes encontra-se na faixa etária de 38 a 40 anos e 71,35% são do sexo masculino. Estudos como o de Soares15, Faria et al.16 e Moreira et al.1 apresentaram resultados semelhantes. Dentre as relações de trabalho,, quase metade dos estudados (48,92%) é assalariada, demonstrando que o vínculo empregatício no meio rural ainda é grande e que os trabalhadores rurais dependem das atitudes e decisões dos patrões. Em relação ao contato com os agrotóxicos, na maioria (85,14%) era direto, o que faz crer que a manipulação dos agrotóxicos ainda é grande, porém está acontecendo de forma protegida, visto que 78,65% dos pacientes relatavam fazer uso de EPI. De acordo com Brito et al.17, é esperado que o uso de EPI possa minimizar a ocorrência de episódios de intoxicação, mas os extensos danos crônicos que o agrotóxico traz ao ambiente, à biodiversidade e ao próprio homem devem ser trabalhados através de uma mudança do paradigma na agricultura, que reduza e até mesmo um dia venha a excluir o uso destes químicos.

Conforme demonstrado anteriormente, a maioria dos trabalhadores (61,81%) possuía exposição combinada a vários grupos de agrotóxicos, porém um fato que chamou a atenção foi que aproximadamente 25% dos pacientes estudados não souberam responder sobre o tipo de agrotóxico usado, demonstrando que não são eles que preparam o produto ou reforçando os estudos de Tomazin18 e Oliveira et al.19, que evidenciaram que os trabalhadores rurais não leem bula e rótulos dos produtos. No estudo de Tomazin, 58,75% dos agricultores entrevistados não sabiam o nome de nenhum agrotóxico com o qual trabalhavam e 67,5% não haviam lido bula/rótulo dos pesticidas. Já no de Oliveira et al.19, foi considerado que os entrevistados não liam os rótulos de agrotóxicos devido ao baixo grau de escolaridade. E neste estudo de Oliveira ficou sugerido que a não leitura ocorre devido à falta de acesso dos meeiros à informação.

Verificou-se que 83,78% dos pacientes não apresentaram alterações no exame físico.. Em 53,20% das pessoas em que foram registradas alterações, elas aconteceram em decorrência de mudanças dermatológicas.

As alterações laboratoriais estavam presentes em 29,7% dos pacientes. A predominante foi a do perfil hepático, correspondendo a 37,2% das adulterações encontradas, porém constatou-se que 35,6% das alterações hepáticas foram decorrentes de GGT e que 53,6% dos pacientes com alteração hepática eram etilistas, o que confirmou que o etilismo é um fator de risco importante para as alterações hepáticas registradas. Conforme Gomes20, os testes enzimáticos hepáticos são largamente utilizados como indicadores dos efeitos de substâncias químicas sobre o fígado. A interpretação dos resultados das análises laboratoriais é complexa, pois tais enzimas não são específicas do tecido hepático, podendo estar alteradas por doenças ou lesões em outros órgãos e a prevalência de alterações das enzimas séricas é muito variável de acordo com a população estudada. Desta forma são necessários muita cautela e rigor científico para se chegar ao diagnóstico etiológico (nexo causal).

Sobre a associação das alterações metabólicas com a no perfil hepático, verificou-se que somente 21,9% dos pacientes com alterações hepáticas possuíam algum distúrbio metabólico, sendo este um fator de risco com influência menor na gênese das alterações nos estudados quando comparado ao etilismo.

Identificou-se também que 37,21% dos pacientes com alterações no exame laboratorial apresentaram adulteração no exame de dosagem da colinesterase pelo método de Ellman, e que 78% dessas alterações foram decorrentes da Colinesterase plasmática e 22 % da colinesterase eritrocitária. Todos os níveis de alterações encontrados foram considerados leves. A inibição da colinesterase plasmática e, principalmente, da eritrocitária é um indicador de efeito se o indivíduo tiver sintomas colinérgicos leves, moderados ou graves. Sabe-se que a alteração da colinesterase plasmática pode ser decorrente de alteração hepática, por esta enzima ser produzida no fígado, pelo uso de medicamentos com metabolização hepática, e ainda pode ser idiopática. Esta informação isolada não permite caracterizar os pacientes como intoxicados. As colinesterases são marcadores biológicos da exposição aguda ou subcrônica a agrotóxicos organofosforados e carbamatos. Níveis reduzidos da atividade das colinesterases podem ser causadas por doenças orgânicas ou ação de agentes agressores externos -xenobióticos- dentre os últimos, os organofosforados têm um papel reconhecidamente importante.21 Desta forma, os resultados dos exames toxicológicos devem ser interpretados como indicadores de sobrexposição aos agrotóxicos utilizados no processo de trabalho e sempre considerados em conjunto com a avaliação clínica e neurológica para o diagnóstico de intoxicação e o estabelecimento de relação de causa e efeito22.

Nove pacientes apresentaram alterações da colinesterase eritrocitária consideradas leves. Eles foram afastados do trabalho e tiveram acompanhamento, apresentando, após três meses, normalização, o que sugere que a alteração era decorrente da exposição a agrotóxicos inibidores da colinesterase. Isso não significa que eles estavam intoxicados, visto que não apresentavam alterações nos exames físico e laboratorial.

As alterações hematológicas encontradas estavam presentes em 29% dos pacientes com alteração laboratorial. Ela era decorrente de plaquetopenia (41,4%), neutropenia (34,5%), anemia (20,6%) e pancitopenia (3,5%), alterações no sistema hematopoiético já descritas por Kaloyanova23. A maioria dessas alterações foi encontrada nos pacientes com faixa etária de 38 a 40 anos, aconselhados a se afastarem da exposição aos agrotóxicos e acompanhados periodicamente por meio de novos exames. Os casos em que não houve normalização após o afastamento da exposição foram encaminhados ao ambulatório de hematologia para investigação mais detalhada.

Em relação às alterações renais, foram as menos encontradas, atingindo 21,8% dos pacientes com alteração no exame laboratorial. A maioria (73,7%) era decorrente de alteração da microalbuminúria e o restante de alteração da alfa 1 microglobulina, marcadores de efeito renal precoce e bem estabelecidos para doenças crônicas como diabetes e hipertensão e também marcadores de nefrotoxicidade por metais e produtos químicos24,25. Os exames foram usados como marcadores biológicos em exposições de longo prazo a agrotóxicos com a intenção de se relacionar a exposição prolongada a agrotóxicos com efeitos renais tubulares e glomerulares. Pelos dados coletados, este efeito não pôde ser detectado, visto que 12,5% dos pacientes que apresentaram alterações renais possuíam alteração metabólica, o que em parte pode ser uma justificativa para as desregulações.

Fazendo uma análise mais detalhada das alterações laboratoriais encontradas e relacionando-as com os diagnósticos instituídos, constatou-se que 79,2% dos pacientes teve o diagnóstico “Exposição a longo prazo a agrotóxico” e 20,8% “Prováveis efeitos à saúde”. Se avaliarmos essa porcentagem em relação ao total de trabalhadores rurais brasileiros que fazem uso de agrotóxicos, a constatação se torna preocupante, visto que milhares deles estão apresentando alterações laboratoriais e/ou clínicas que nos fazem pensar em algum tipo de efeito à saúde decorrente do uso do agrotóxico, apresentando um problema de saúde pública.

 

CONCLUSÃO

A avaliação de populações expostas a agentes químicos é muito complexa, já que inúmeros fatores, além da própria exposição ao agente, podem influenciar o aparecimento de alterações à saúde dessas pessoas . Esse estudo possui limitações por ser do tipo descritivo, utilizando dados secundários dos prontuários hospitalares de 370 pacientes atendidos no ambulatório de toxicologia do HC da UNICAMP em 2006 e 2007, portanto qualquer inferência para a população geral de trabalhadores deve ser feita com parcimônia.

Em relação às alterações de saúde investigadas nos pacientes, neste estudo foram de âmbito da toxicologia clínica, avaliando os trabalhadores por meio de queixas, do exame físico e dos marcadores de exposição e de efeitos descritos atualmente pela literatura. Muito provavelmente os métodos utilizados poderão ser superados futuramente com a descoberta de novos marcadores de exposição e efeito na saúde dos pacientes expostos a agrotóxicos ou por estudos de toxicologia molecular.

De qualquer forma, identificar possíveis efeitos à saúde decorrente da exposição a agentes químicos presentes no ambiente de trabalho, torna possível a criação de novos protocolos de atendimento, novos marcadores de exposição e efeito e de políticas públicas que possam contribuir para a prevenção das doenças relacionadas ao trabalho.

 

COLABORADORES

Gisela Maria de Figueiredo trabalhou no levantamento, análise dos dados, elaboração e redação final do texto. Angelo Zanaga Trape e Herling Aguilar Alonzo foram os responsáveis pela concepção, elaboração e revisão final do artigo.

 

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Trabalho realizado no ambulatório de Toxicologia e Saúde Ambiental do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) – Campinas (SP), Brasil.

Recebido em 18 de Novembro de 2010.
Aceito em 2 de Abril de 2011.

Fonte de financiamento: nenhuma.


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